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Estudo explica elo entre maconha e fome
Brasileiro elucida relação entre hormônios e moléculas canabinóides que existem naturalmente no cérebro humano
Novo trabalho pode ter
implicações para o estudo
de mecanismos regulatórios
de estresse, sono e memória
e apontar alvo para drogas
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um neurocientista brasileiro
conseguiu elucidar em detalhe
o mecanismo bioquímico que
conecta a regulação do apetite
aos chamados endocanabinóides -substâncias naturais do
organismo que imitam a ação
dos derivados da a maconha.
Renato Malcher-Lopes, do Instituto Cérebro Mente de Lausanne, na Suíça, evita usar a expressão "larica", mas seu estudo de fato ajuda a explicar a fome súbita que usuários da droga sentem após consumi-la.
"Nós mostramos que o endocanabinóide da área do cérebro
que controla o apetite é regulado por dois hormônios muito
relevantes para a fisiologia dos
animais: os glucocorticóides e a
leptina", disse Malcher-Lopes à
Folha. Trabalhando com fatias
de cérebro de rato cultivadas
em laboratório, o pesquisador
mostrou que enquanto os glucocorticóides fazem aumentar
a concentração de canabinóides, a leptina a faz cair.
Em estudo no periódico
científico "The Journal of Neuroscience", o cientista mostra
passo a passo quais são as enzimas envolvidas nesse processo.
"A industria farmacêutica pode
agora olhar para cada uma delas e tentar buscar alterar suas
atividades específicas", diz
Malcher-Lopes.
Além de detalhar a cadeia
bioquímica de reações envolvida no processo, o grupo de Malcher-Lopes descobriu que o aumento de apetite pelo consumo de maconha aumenta por
meio de duas vias. A primeira
delas, que já era explicada pela
ciência, é fazendo que os usuários sintam mais prazer com o
sabor da comida. "Mas o endocanabinóide também inibe o
dispositivo que o cérebro tem
para levar o animal a parar de
comer", explica o pesquisador.
Além da maconha medicinal
usada por pacientes com problema de falta de apetite, como
doentes de Aids, já existem
drogas que se valem do mesmo
princípio, mas para cortar a fome, bloqueando sinais de endocanabinóides no cérebro.
Agora que se sabe como esses
medicamentos atuam, é possível planejar melhor sua aplicação, adequando-a aos horários
de alimentação, por exemplo.
Encruzilhada metabólica
O trabalho de Malcher-Lopes, apesar de se voltar mais à
explicação molecular do controle do apetite, pode ajudar a
investigar outros fenômenos
hormonais no organismo.
"Os canabinóides estão aparecendo cada vez mais como
uma grande encruzilhada metabólica", diz Sidarta Ribeiro,
diretor de pesquisa do Instituto
Internacional de Neurociências de Natal, em fase de implantação. "Eles também têm
relação com estresse, sono, memória e, provavelmente, controle emocional".
Segundo Ribeiro, o estudo
dessas moléculas tem crescido
muito nos últimos 15 anos, desde que se descobriu que elas
existiam naturalmente no cérebro. Enquanto em 1991 o
banco de dados PubMed listava
apenas um estudo sobre endocanabinóides, em 2005 já havia
70 trabalhos.
O crescimento da área deixa
Malcher-Lopes entusiasmado
com a possibilidade de aplicação de seu estudo. "É como se a
gente tivesse descoberto um
botãozinho dentro do cérebro
que regula uma série de sistemas hormonais muito relevantes para a sobrevivência do animal em situações diárias e de
estresse", diz.
Depois de aperfeiçoar sua
técnica, o cientista pretende
trabalhar com animais vivos
para confirmar seus estudos.
"Queremos procurar estratégias farmacológicas para tratar
diversas mazelas, associadas
tanto ao excesso de estresse
quanto ao excesso de peso."
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