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ANTÁRTIDA
Nasa quer atingir águas do Vostok, que pode abrigar um ecossistema intocado; europeus temem contaminação
Sonda em lago polar divide especialistas
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
Um lago coberto por quase 4
quilômetros verticais de gelo na
Antártida promete virar o mais
novo palco de disputa entre os
norte-americanos e o resto do
mundo. Como em várias brigas
do tipo, o motivo inicial parece fútil: a Nasa, agência espacial dos
Estados Unidos, quer usar uma
sonda para perfurar o gelo e atingir as águas do lago. Só que ninguém mais concorda.
Seria mesmo uma discussão fútil, se esse lago não se chamasse
Vostok e não fosse um dos últimos ambientes da Terra onde o
homem jamais esteve.
O fato de ter água líquida a temperaturas tão baixas e sob uma
pressão tão grande pode significar que o Vostok abriga seres vivos -quase certamente micróbios- diferentes de tudo o que se
conhece no planeta. Um belo indício de que a vida pode florescer
em outros mundos, como a lua
gelada Europa, de Júpiter.
É justamente esse o mistério
que os cientistas americanos querem resolver. Eles estão ansiosos
para mandar uma sonda batizada
ICE (sigla em inglês para Integrated Cryobot Experimental Probe,
ou sonda experimental integrada
Cryobot) para atingir a massa d'água do Vostok, que se estende por
10 mil quilômetros quadrados
(quase uma Jamaica) e tem profundidades de até 500 metros.
O problema é que ninguém garante que seja possível enviar um
artefato humano para o Vostok
sem risco de contaminação. Até
agora, o mais perto que se chegou
da lâmina d'água foi 120 m, com
um buraco no gelo de 3.623 m de
profundidade. Pesquisadores que
trabalham na coleta e análise da
coluna de gelo sobre o lago -que
guarda em bolhas de ar aprisionadas o testemunho de como o clima terrestre variou nos últimos
420 mil anos- acham que, por
enquanto, esse é o limite seguro.
O consenso foi quebrado por
cientistas dos EUA em julho, durante reunião do Scar (Comitê
Científico para Pesquisa Antártica, na sigla em inglês) na China.
"Eles se posicionaram muito
fortemente a favor [da perfuração"", disse o glaciologista Jefferson Cardia Simões, da UFRGS
(Universidade Federal do Rio
Grande do Sul), membro do grupo de glaciologia do Scar. "A recomendação do comitê é que não se
fure antes de todos os testes possíveis de descontaminação. Só que
o Scar não tem poder de polícia."
O Laboratório de Propulsão a
Jato da Nasa, que criou a tecnologia do Cryobot, afirma que ela é
segura. A sonda, de 1 m de comprimento, 12 cm de diâmetro e
movida a eletricidade, tem uma
ponta metálica que aquece e derrete o gelo e possui equipamentos
capazes de transmitir dados enquanto perfura. É esse instrumento que a Nasa quer enviar às capas
de gelo de Marte e Europa.
A princípio, é um instrumento
mais delicado que as brocas de gelo usadas hoje, que precisam usar
querosene e freon -poluentes-
para evitar que o buraco feche.
Mas os cientistas do Scar, especialmente os europeus, preferem
não correr riscos. A idéia é convencer os americanos a fazer as
sondagens em algum outro dos
cerca de 60 lagos do gênero que se
estima haver na Antártida.
A última fatia
Enquanto a arenga não se resolve, os pesquisadores continuam
tentando entender como o Vostok se formou. Simões, juntamente com um grupo da França, analisou os últimos 89 metros de gelo
glacial (ou seja, originado fora do
lago, por queda de neve) do testemunho de gelo do lago.
Os resultados, que saem na próxima edição da revista "Annals of
Glaciology", mostram que o registro climático do lago já deu o
que tinha de dar.
Nessa camada profunda, a mistura do gelo originado de fora
com o gelo de acreção (formado
pela água do lago) é tão grande
que a análise química das bolhas
de ar já não permite verificar a alternância de períodos mais quentes e mais frios detectada no restante do testemunho.
Em compensação, o grupo de
Simões encontrou no gelo partículas grandes demais para terem
ido parar ali sopradas pelo vento.
Essa "farinha glacial" é resultado
do atrito do gelo com o leito rochoso e indica que, antes de flutuar sobre o lago, a imensa massa
de gelo cobria rocha.
Segundo Simões, isso é um dado importante para entender a
formação do Vostok. "Não sabemos qual é o tipo de rocha embaixo dele até hoje", disse. Também
pode ser uma dica preciosa sobre
se o lago já existia antes de ser coberto pelo gelo. "Achamos que ele
é preexistente", diz o brasileiro.
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