São Paulo, quinta-feira, 21 de outubro de 2004

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Brasileiro cartografa desertos de DNA

DO COLUNISTA DA FOLHA

Numa corrida pelo ouro, quem não dispõe de um mapa preciso do filão se contenta com um mostrando onde não vale a pena cavar -em especial se a corrida for num deserto. O mesmo vale para a corrida da genômica, em que um cientista pernambucano radicado nos EUA está se destacando como localizador de veios e oásis.
O dublê de biólogo e cartógrafo molecular é Marcelo de Aguiar Nóbrega, 32, que trabalha no Laboratório Lawrence Berkeley, na Califórnia. Seu nome é o primeiro na lista de cinco autores de outro trabalho importante sobre genética publicado na edição de hoje da revista britânica "Nature".
Nóbrega demonstrou, com a ajuda de camundongos geneticamente modificados, que certos desertos são de fato desertos.
Em genômica, a denominação de "deserto" é reservada para aquele um quarto a um terço do genoma humano que se encontra entremeado nos genes, compondo as chamadas regiões intergênicas. De um modo geral, eram incluídas na classe de "DNA-lixo".
Trabalhos anteriores do grupo do Berkeley, que é chefiado por Edward Rubin, haviam mostrado que esses desertos estão cheios de oásis: seqüências de DNA que não especificam proteínas, mas têm função. Por exemplo, trechos que funcionam como moduladores ("enhancers") de outros genes.
A identificação desses não-genes com função havia se tornado possível com a comparação dos genomas de várias espécies, como a humana, a dos camundongos e a de um baiacu. Ela revelou que há entre elas muitas seqüências de DNA conservadas, idênticas ou quase idênticas, fora dos genes.
Como em matéria de evolução a conservação é forte indicador de função, começou a corrida por essas seqüências. Mas a grande dificuldade é provar que um determinado trecho tem de fato função.

Homens, roedores e peixes
O grupo de Rubin e Nóbrega faz isso seguindo duas estratégias. Comparando primeiro os três genomas, selecionou nove regiões conservadas e provou que sete tinham função no desenvolvimento embrionário. Isso foi feito associando o trecho com uma seqüência de DNA que tinge de azul o tecido em que for ativada. Bastava dissecar os fetos de roedores para verificar onde isso acontecia.
Outra amostra de 15 regiões conservadas foi então escolhida, mas a partir da comparação dos genomas só de humanos e de camundongos. Como são espécies que divergiram há cerca de 70 milhões de anos (contra mais de 400 milhões no caso do baiacu), a chance de encontrar pepitas no deserto era menor.
De fato, só 1 dos 15 trechos escolhidos se demonstrou obviamente funcional. O passo seguinte foi mostrar com grau maior de confiança que eles não tinham mesmo função. A hipótese, aqui, é que os desertos só não se tornaram mais diferentes nas duas espécies por falta de tempo para as mutações, aleatórias, surtirem efeito.
O jeito foi usar a "força bruta". Sua equipe simplesmente apagou trechos inteiros de deserto, para ver o que acontecia. Se tivessem alguma função oculta, os camundongos seriam inviáveis.
Ocorre que os filhotes se desenvolveram normalmente e nasceram com boa saúde. Em alguns casos, as seqüências de DNA deletadas perfazem até 10% do cromossomo em que se localizavam. Os pesquisadores temiam que isso desestabilizasse o cromossomo, criando problemas para o roedor na hora de duplicá-los nas divisões celulares. Nada.
Conclusão: boa parte do genoma de mamíferos que se parece com lixo é lixo de verdade. Há trechos de seu enredo que estão ali só como enchimento. "Parece mesmo que o genoma é uma novela da Globo, e não um "Código da Vinci'", disse o pernambucano à revista "Pesquisa Fapesp" (revistapesquisa.fapesp.br), que traz neste mês reportagem sobre a pesquisa de Nóbrega. (ML)


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