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MEDICINA
Mudança gerada por gás no DNA lembra a presente em tumores de pulmão; poluente é comum em grandes cidades
Pesquisa sugere elo entre ozônio e câncer
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O ozônio é o escudo ideal contra
os perigosos raios ultravioleta na
alta atmosfera, mas aqui embaixo
não é nem um pouco saudável.
Um estudo acaba de revelar que
as mutações causadas pelo gás no
DNA são muito parecidas com as
que ocorrem em alguns cânceres.
A correlação, apontada por pesquisadores da USP, sugere que o
ozônio está implicado no surgimento de tumores no pulmão
-colocando mais um ponto na
lista de problemas causados pelo
gás, que é herói na estratosfera,
mas faz papel de vilão como poluente nas grandes cidades. Ele é a
segunda causa de mortes por poluição atmosférica em São Paulo.
"A relação entre o câncer e o
ozônio ainda precisa ser confirmada por mais estudos", disse à
Folha Carlos Menck, 46, do ICB
(Instituto de Ciências Biomédicas), um dos autores do estudo.
"Mas que é preocupante, é", afirma o pesquisador.
De acordo com Menck, já se
imaginava que o gás fosse prejudicial ao material genético, mas
ninguém tinha investigado que tipo de mutação ele poderia originar. Aliás, o papel mutagênico do
ozônio (O3, ou seja, três átomos de
oxigênio juntos), não poderia ser
mais irônico.
Afinal, a camada que ele forma
na estratosfera (região da atmosfera que fica entre cerca de 15 km e
50 km de altura) impede que outro agente causador de mutações,
a luz ultravioleta, complique a vida de quem está embaixo.
A coisa muda de figura quando
o gás, que precisa de muita luminosidade para se formar, aparece
no nível do solo. "Na superfície, o
ozônio é formado por compostos
orgânicos voláteis e por óxidos de
nitrogênio", explica o pesquisador Paulo Artaxo, 48, do Instituto
de Física da USP.
Problema urbano
"Os óxidos de nitrogênio são
produzidos principalmente por
veículos, como ônibus movidos a
diesel, mas também por carros a
álcool ou a gasolina", diz Artaxo.
A reação não é instantânea: o ozônio pode levar entre uma e cinco
horas para se formar.
Quando o gás está pronto, contudo, o efeito sobre a saúde humana é dos piores. Artaxo afirma
que alguns dos efeitos são inflamações na traquéia, rinites e irritação da mucosa nasal, comuns
nas grandes áreas urbanas de todo o planeta.
Para saber de que forma o ozônio poderia afetar o material genético, Menck e sua colega Soraia
Jorge, do Instituto Butantan, junto com pesquisadores franceses,
alemães e britânicos, expuseram
um gene de bactéria ao gás numa
câmara fechada.
Depois, a equipe inseriu o gene
exposto em células humanas para
que a possível mutação se replicasse e viram se havia alterações
na sequência de bases ou "letras"
químicas que compõem o DNA.
Essas letras, chamadas de C (citosina), G (guanina), T (timina) e
A (adenina), se agrupam em pares específicos, de forma que a letra C sempre é acompanhada pela
G e a T sempre está unida à letra
A. Qualquer mudança na ordem
dos pares corre o risco de criar
problemas para o funcionamento
das células.
Foi o que os cientistas verificaram. Em diversos casos, a dupla
G-C havia virado um T-A, G-Cs se
tornaram A-Ts e G-Cs se transformaram em C-Gs. "A frequência e
o tipo de mudança são muito semelhantes aos que aparecem em
pessoas não-fumantes com câncer de pulmão", diz Menck.
As mutações desse tipo surgem
no gene p53, um guardião do
DNA que, quando está desajustado, abre as portas para o câncer.
Como essas pessoas não tinham
como fator mutagênico o fumo, é
possível que o ozônio tivesse danificado suas células pulmonares.
Sob suspeita
A hipótese de Menck é que, ao
ser respirado, o gás bagunce o
material genético humano. Como
gerador de radicais livres (átomos
soltos de oxigênio que são o terror
de qualquer DNA), o gás poderia
muito bem ser capaz de fazer isso.
Essa, contudo, ainda é uma suspeita a ser confirmada. "Claro que
o DNA no nosso experimento estava desprotegido, sem a membrana das células e outras defesas,
e numa concentração alta", pondera o pesquisador. O estudo foi
publicado pela revista científica
"DNA Repair".
"Mesmo assim, nas condições
normais, o efeito do ozônio é cumulativo, o que pode fazer dele
um dos responsáveis pelas mutações encontradas no câncer", afirma Menck.
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