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São Paulo, sábado, 22 de fevereiro de 2003

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MEDICINA

Mudança gerada por gás no DNA lembra a presente em tumores de pulmão; poluente é comum em grandes cidades

Pesquisa sugere elo entre ozônio e câncer

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O ozônio é o escudo ideal contra os perigosos raios ultravioleta na alta atmosfera, mas aqui embaixo não é nem um pouco saudável. Um estudo acaba de revelar que as mutações causadas pelo gás no DNA são muito parecidas com as que ocorrem em alguns cânceres.
A correlação, apontada por pesquisadores da USP, sugere que o ozônio está implicado no surgimento de tumores no pulmão -colocando mais um ponto na lista de problemas causados pelo gás, que é herói na estratosfera, mas faz papel de vilão como poluente nas grandes cidades. Ele é a segunda causa de mortes por poluição atmosférica em São Paulo.
"A relação entre o câncer e o ozônio ainda precisa ser confirmada por mais estudos", disse à Folha Carlos Menck, 46, do ICB (Instituto de Ciências Biomédicas), um dos autores do estudo. "Mas que é preocupante, é", afirma o pesquisador.
De acordo com Menck, já se imaginava que o gás fosse prejudicial ao material genético, mas ninguém tinha investigado que tipo de mutação ele poderia originar. Aliás, o papel mutagênico do ozônio (O3, ou seja, três átomos de oxigênio juntos), não poderia ser mais irônico.
Afinal, a camada que ele forma na estratosfera (região da atmosfera que fica entre cerca de 15 km e 50 km de altura) impede que outro agente causador de mutações, a luz ultravioleta, complique a vida de quem está embaixo.
A coisa muda de figura quando o gás, que precisa de muita luminosidade para se formar, aparece no nível do solo. "Na superfície, o ozônio é formado por compostos orgânicos voláteis e por óxidos de nitrogênio", explica o pesquisador Paulo Artaxo, 48, do Instituto de Física da USP.

Problema urbano
"Os óxidos de nitrogênio são produzidos principalmente por veículos, como ônibus movidos a diesel, mas também por carros a álcool ou a gasolina", diz Artaxo. A reação não é instantânea: o ozônio pode levar entre uma e cinco horas para se formar.
Quando o gás está pronto, contudo, o efeito sobre a saúde humana é dos piores. Artaxo afirma que alguns dos efeitos são inflamações na traquéia, rinites e irritação da mucosa nasal, comuns nas grandes áreas urbanas de todo o planeta.
Para saber de que forma o ozônio poderia afetar o material genético, Menck e sua colega Soraia Jorge, do Instituto Butantan, junto com pesquisadores franceses, alemães e britânicos, expuseram um gene de bactéria ao gás numa câmara fechada.
Depois, a equipe inseriu o gene exposto em células humanas para que a possível mutação se replicasse e viram se havia alterações na sequência de bases ou "letras" químicas que compõem o DNA.
Essas letras, chamadas de C (citosina), G (guanina), T (timina) e A (adenina), se agrupam em pares específicos, de forma que a letra C sempre é acompanhada pela G e a T sempre está unida à letra A. Qualquer mudança na ordem dos pares corre o risco de criar problemas para o funcionamento das células.
Foi o que os cientistas verificaram. Em diversos casos, a dupla G-C havia virado um T-A, G-Cs se tornaram A-Ts e G-Cs se transformaram em C-Gs. "A frequência e o tipo de mudança são muito semelhantes aos que aparecem em pessoas não-fumantes com câncer de pulmão", diz Menck.
As mutações desse tipo surgem no gene p53, um guardião do DNA que, quando está desajustado, abre as portas para o câncer. Como essas pessoas não tinham como fator mutagênico o fumo, é possível que o ozônio tivesse danificado suas células pulmonares.

Sob suspeita
A hipótese de Menck é que, ao ser respirado, o gás bagunce o material genético humano. Como gerador de radicais livres (átomos soltos de oxigênio que são o terror de qualquer DNA), o gás poderia muito bem ser capaz de fazer isso.
Essa, contudo, ainda é uma suspeita a ser confirmada. "Claro que o DNA no nosso experimento estava desprotegido, sem a membrana das células e outras defesas, e numa concentração alta", pondera o pesquisador. O estudo foi publicado pela revista científica "DNA Repair".
"Mesmo assim, nas condições normais, o efeito do ozônio é cumulativo, o que pode fazer dele um dos responsáveis pelas mutações encontradas no câncer", afirma Menck.


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