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BIOTECNOLOGIA
Grupo obtém camundongo saudável e fértil com óvulo reconstruído de duas roedoras, sem espermatozóide
Japão cria fêmea sem pai com duas mães
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um brinde ao feminismo radical: cientistas anunciaram o nascimento do primeiro mamífero
que é filho só da mãe. Ou melhor,
de duas mães.
A roedora Kaguya (personagem
de um conto de fada japonês), orgulho de um grupo liderado por
Tomohiro Kono, da Universidade
de Agricultura de Tóquio, foi originada de um óvulo não-fecundado de camundongo. Equipado
com duas cópias de genoma materno, vindas de dois animais, ele
foi estimulado a se dividir e originar um embrião, como se tivesse
sido unido a um espermatozóide.
A participação masculina jamais aconteceu. Para todos os
efeitos, o embrião tinha duas
mães e nenhum pai.
Ao contrário do que se pode
pensar, esse método de reprodução baseado apenas em contribuições femininas é comum na natureza -embora normalmente exija apenas uma mãe. Chama-se
partenogênese (do grego, "nascimento virgem") e ocorre em várias espécies animais.
O processo não ocorre em mamíferos, porém. Ou melhor, não
ocorria, até Kono e seus colegas
mudarem as regras do jogo, em
experimentos relatados hoje na
revista científica britânica "Nature" (www.nature.com).
Para chegar ao sucesso, eles precisaram negociar um acordo de
paz entre os dois conjuntos de genomas maternos, que tendem a
rivalizar entre si para ver qual deles realmente "dá as cartas" no desenvolvimento do organismo.
Genomas em guerra
Quase todas as células de um
mamífero vêm com seu material
genético aos pares. Um dos conjuntos de DNA é cedido pelo pai, e
o outro, pela mãe. A exceção são
os espermatozóides, que vêm
com um só, justamente para servir à reprodução. Os óvulos começam com dois, mas perdem
um deles quando fecundados.
O DNA da mãe e do pai têm basicamente os mesmos genes, mas
em vários casos apenas uma cópia
precisa ser ativada. Quando os genomas materno e paterno se encontram para formar um embrião, já estão com um armistício
assinado: cada um fornecerá certos genes para uso no organismo,
e seus correspondentes do outro
lado serão "desligados", sem conflito. Esse ato de parcimônia genética é chamado pelos cientistas de
"imprinting", ou "estampagem".
No caso da partenogênese,
quando induzida a ocorrer em
mamíferos, o par de genomas
materno briga entre si e o resultado é superativação de alguns genes e silenciamento de outros.
Nenhum embrião de camundongo criado desse modo costuma
sobreviver por mais de dez dias.
A solução encontrada por Kono
e companhia foi produzir uma
modificação genética numa roedora, apagando numa das cópias
um gene que em tese não seria ativado no DNA paterno. Esse "pacote genético" foi então combinado ao de outra roedora, que tinha
o genoma inalterado. O óvulo resultante foi então induzido a se dividir e formar um embrião.
Curiosamente, essa mudança
não só regulou corretamente a expressão do gene alterado, mas
veio acompanhada da regulação
de vários outros genes que supostamente seriam vitimados pela
ausência da tal estampagem.
O resultado não só demonstrou
que a estampagem é o mecanismo que barra a partenogênese em
mamíferos, mas também que o
problema pode ser contornado.
Dúvidas
Apesar disso, o elo de ligação
entre a mutação induzida pelos
cientistas e o sucesso experimental ainda é considerado duvidoso
por alguns. Rudolf Jaenisch, do
Instituto Whitehead, nos EUA,
sugere que um mecanismo desconhecido e aleatório pode estar envolvido no resultado positivo.
"Eu acho que é um evento estocástico que algumas vezes faz os
camundongos sobreviverem",
disse o pesquisador, em entrevista
ao site da revista "The Scientist"
(www.the-scientist.com).
A razão para desconfiança é justamente a taxa de sucesso. Kono e
seus colegas começaram com 457
óvulos, dos quais 371 foram implantados em 24 "roedoras de
aluguel". Desses, 28 atingiram um
estágio fetal avançado, mas 18
nasceram mortos. Oito sobreviveram só por 15 minutos após o parto. Somente dois nasceram saudáveis, e um deles foi sacrificado
para estudo.
A remanescente Kaguya, em
compensação, cresceu e até teve
seus próprios filhotes -do modo
tradicional, é bom que se diga.
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