São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2004

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VLS-1

Comando da Aeronáutica afirma que modificações exigidas após acidente que matou 21 há um ano estão sendo feitas

Sem teste, Alcântara prepara novo foguete

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto o país relembra a morte de 21 técnicos no acidente com o VLS-1 (Veículo Lançador de Satélites), ocorrido há um ano, membros do IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço) se preparam para lançar mais um foguete a partir de Alcântara no mês que vem, segundo a Folha apurou.
O modelo nunca foi testado antes e, mais uma vez, além do sigilo, uma série de irregularidades permeia o lançamento.
O veículo já foi montado e está praticamente pronto para voar. Apesar disso, ele não passou ainda por uma revisão preliminar que possa verificar falhas e riscos no projeto, procedimento que normalmente é seguido antes que o foguete seja montado.
A chamada PDR (revisão preliminar de projeto, na sigla em inglês) será realizada a partir desta semana, mas, de acordo com membros do IAE que preferem permanecer anônimos, apenas para cumprir protocolo. Após a PDR, ainda seria preciso realizar uma CDR (revisão crítica de projeto), para então o foguete ser fabricado e montado com as modificações sugeridas pelas revisões. Antes de tudo isso ter acontecido, no entanto, já há equipes em trânsito entre São José dos Campos (SP) e Alcântara (MA) para iniciar os preparativos do lançamento na base da Aeronáutica. "O negócio deles é cumprir planilha", diz um engenheiro do IAE.
Desta vez, o foguete a ser lançado não é tão grande quanto o VLS. Trata-se de um veículo de dois estágios (andares) chamado VSB-30, desenvolvido em parceria com a Alemanha. Com 13 metros de comprimento (contra 19 do VLS-1), ele é capaz de fazer um vôo suborbital com uma carga útil de até 400 quilos, atingindo altitude máxima de cerca de 300 quilômetros e velocidades acima de Mach 6 (seis vezes a velocidade do som, de 1.100 km/h).
"O VSB-30 tem por objetivo ser usado para missões científicas futuras de foguetes de sondagem, tanto no Brasil quanto na Europa, principalmente para experimentos de microgravidade", diz Peter Turner, membro do DLR (agência espacial alemã) envolvido no projeto. Ele relata que as equipes trabalhavam com um planejamento que estipulava o início da operação para o lançamento do foguete em meados de junho. O atual cronograma prevê que o lançamento em si deve ocorrer em algum ponto de setembro.
O clima de sigilo é o mesmo que precedeu o acidente com o VLS-1. Nem AEB (Agência Espacial Brasileira), nem CTA (Centro Técnico Aeroespacial), instituição-mãe do IAE ligada à Força Aérea, fazem anúncio do lançamento iminente, embora já estejam veiculando informações sobre o próximo vôo suborbital do Projeto Microgravidade, que deve decolar de Alcântara em dezembro.
E, mesmo para o lançamento do fim do ano, o acesso a informações é limitado. Jornalistas que tentaram obter autorização para acompanhar o lançamento não conseguiram. O veto ocorreu, segundo a Força Aérea, por razões de segurança.

Outro lado
O Comando da Aeronáutica diz que as modificações exigidas pelo relatório da comissão de investigação do acidente com o VLS-1 estão sendo implementadas.
"No momento, todas estão em fase de estudo ou em execução", diz o Cecomsaer (Centro de Comunicação Social da Aeronáutica). Entretanto, uma das exigências primordiais do relatório foi a criação de uma comissão externa para o acompanhamento desses trabalhos, com membros da sociedade civil e representantes das famílias das vítimas. Isso ainda não aconteceu.
Vários engenheiros que trabalham no programa acreditam que as lições tiradas do acidente que matou 21 no ano passado não foram absorvidas nem pela chefia das equipes ligadas ao VLS, nem pela das que lidam com os foguetes de sondagem, como o VSB-30 Embora ainda não tenha concluído com sucesso o desenvolvimento de seu lançador de satélites, o Brasil é famoso por seus veículos suborbitais, que atraem parceiros como a Alemanha. Entretanto, segundo estudos que circulam internamente no IAE, a taxa de sucesso em missões de foguetes de sondagem brasileiros na última década tem sido de 50%, mesmo com veículos já consagrados.

Três fracassos
O projeto do VLS-1 foi iniciado em 1980, mas a primeira tentativa de lançá-lo ao espaço só ocorreu em 1997. A missão fracassou, 65 segundos após a decolagem, por uma falha no primeiro estágio.
Na segunda tentativa, realizada dois anos depois, nova falha, desta vez no segundo estágio. O vôo durou 200 segundos. As duas falhas não tiveram vítimas.
O terceiro protótipo estava sendo preparado para o lançamento quando causou o incêndio em Alcântara. O objetivo do governo é lançar o quarto protótipo em 2006. Para isso, a AEB (Agência Espacial Brasileira) diz que haverá, até o final deste ano, uma verba de R$ 100 milhões a serem investidos no projeto.


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