São Paulo, segunda-feira, 22 de outubro de 2007

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EUA barram satélite do Brasil com a China

Empresas nacionais que trabalham na construção das naves CBERS-3 e 4 não conseguem mais importar peças americanas

Limitação à exportação de tecnologia à China causa o problema, que pode atrasar lançamentos; embaixada afirma que veto não é novo

Joel Silva/Folha Imagem
Sede da Opto, em São Carlos, onde câmera do CBERS-3 é montada; empresa pagou US$ 45 mil por peça que não pôde vir dos EUA

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os Estados Unidos têm imposto restrições ao programa de satélites que o Brasil mantém em parceria com a China.
Empresas nacionais que fabricam peças para as naves CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres) 3 e 4 têm tido dificuldade para importar peças dos EUA. E, segundo a Folha apurou, representantes do governo americano disseram a diretores do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que não gostariam que o satélite Amazônia-1, de produção 100% nacional, fosse lançado em 2010 a bordo de um foguete chinês.
As restrições não são voltadas especificamente contra o Brasil, mas sim contra sua parceira, potência militar e agora também espacial. Os americanos temem transferir à China, através do Brasil, tecnologias sensíveis, que possam ser usadas em equipamentos militares como mísseis balísticos, satélites-espiões e bombas atômicas.
Quem acaba sofrendo com isso é o setor de inovação tecnológica no Brasil. Pelo menos duas empresas subcontratadas pelo Inpe para produzir partes do CBERS-3 e do CBERS-4 -a Mectron, de São José dos Campos, e a Opto, de São Carlos- foram impedidas recentemente de comprar equipamentos norte-americanos.
O caso mais grave foi o da Opto, que está montando a câmera do CBERS-3. Neste ano, ela teve de cancelar um contrato de US$ 45 mil com a IR (International Rectifier), uma firma da Califórnia, porque o componente comprado -um conversor de corrente altamente sensível- não pôde ser embarcado para o Brasil, mesmo depois de pago.
"O departamento jurídico disse ao nosso contato lá que, se ele exportasse, poderia pegar nove anos de cadeia e multa de US$ 1 milhão", disse Mario Stefani, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Opto. O dinheiro foi devolvido, mas o projeto atrasou em seis meses.
Graham Robertson, gerente de Relações-Públicas da IR, diz que não é raro que a empresa seja proibida de exportar depois que se descobre qual é o mercado final do produto. "Nós somos controlados no que diz respeito à China."

"Bomb letter"
O veto atinge dimensões orwellianas. Stefani teve um software para desenvolvimento de instrumentos ópticos médicos (comprado dos EUA) travado remotamente em pleno uso, porque ele poderia também ser aplicado em satélites.
"A empresa viu no nosso site que nós trabalhamos no CBERS e seus advogados mandaram bloquear o programa", afirma. "Aí mandaram uma "bomb letter" e eu tive de assinar dizendo que aquilo era só de uso médico."
"Bomb letter" é o apelido dado a termos que empresas americanas fazem compradores de seus produtos no exterior assinarem, comprometendo-se a não dar a esses produtos nenhuma destinação que os EUA não aprovariam, como a fabricação de bombas -daí o nome.
Em agosto último, a Dell computadores mandou uma carta dessas a um físico brasileiro que comprara duas máquinas da empresa. O termo exigia compromisso de que os computadores não seriam repassados a cidadãos do "eixo do mal" -como Irã, Coréia do Norte e Cuba. O cientista denunciou o caso e o Ministério da Ciência e Tecnologia passou uma reprimenda na Dell.

Paranóia reforçada
Limitações à transferência de tecnologia sensível não são novidade, nem exclusividade dos EUA. Vários acordos internacionais regulam o comércio de produtos de uso dual.
No caso americano, o Departamento de Estado faz cumprir uma regulamentação chamada Itar (International Traffic in Arms Regulations), que lista uma série de componentes de exportação restrita e classifica os países em vários graus de proibição, de acordo com seu grau de desenvolvimento tecnológico e suas relações com os EUA. Os objetos controlados vão de colas a chips e softwares.
"Depois do 11 de Setembro, essa lei tem sido aplicada de forma indiscriminada", afirma Stefani, da Opto.
Ricardo Cartaxo, diretor do programa CBERS, diz que os dois primeiros satélites da série (desenvolvidos na década de 1990) não sofreram embargo. "Usávamos um componente feito por uma empresa americana subsidiária da Fujitsu japonesa, mas não conseguimos [comprá-lo agora]. Tivemos de mudar o projeto para utilizar uma parte já montada feita por uma empresa francesa."

Atraso
Segundo Cartaxo, o risco de o CBERS-3 sofrer atraso é iminente. "Um lote de componentes está sendo comprado agora. Fizemos a escolha dos fornecedores alternativos e vamos manter o cronograma", diz. "A aposta é que dá para manter o lançamento em abril de 2010, mas não está fácil, não."
Segundo Fernando Ramos, assessor de Cooperação Internacional do Inpe, a ameaça de militarização do espaço pela administração Bush contribui para agravar as restrições. "Isso tem ocasionado problemas para o Brasil, sim, sobretudo depois daquele ensaio que os chineses fizeram [em janeiro de 2007] e destruíram um satélite antigo deles em órbita", disse. "Os EUA apertaram o cerco à China e aos seus parceiros."

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