|
Próximo Texto | Índice
TECNOLOGIA
Programa criado por Unicamp e UFF vai ajudar pesquisadores a reconstruir vasilhas usadas por povos antigos
Software remonta cerâmica arqueológica
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Um programa de computador
desenvolvido por uma dupla de
pesquisadores brasileiros pode
acabar com um dos maiores pesadelos dos arqueólogos: a dificuldade de montar centenas ou até
milhares de fragmentos de cerâmica, uma das principais pistas
sobre povos do passado.
O software foi criado pelos cientistas da computação Jorge Stolfi,
da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e Helena Cristina da Gama Leitão, da UFF
(Universidade Federal Fluminense), e passa agora por seu principal teste. A idéia é usá-lo para reconstruir cerca de 400 fragmentos
de cerâmica indígena da coleção
do Instituto de Arqueologia Brasileira, no Rio de Janeiro. "Já estamos processando essas imagens",
diz Stolfi, 52.
Quem desenterra pedaços de
cerâmica num sítio arqueológico
pode até se sentir dentro de um
restaurante grego, tamanha é a
quantidade de cacos por todo lado -às vezes mil ou 10 mil por
metro quadrado escavado, do topo ao fim do material arqueológico lá embaixo. No entanto, isso
não significa que seja impossível
pôr certa ordem na bagunça, argumenta Stolfi.
"Com certeza você tem peças
que poderiam ser montadas inteiras, porque muitas vezes os lugares onde elas estão são depósitos
de lixo -um pedaço quebra e a
pessoa joga o resto fora", diz o
pesquisador da Unicamp.
Além disso, remontar uma vasilha pode trazer informações valiosas sobre sua função e a respeito do povo que a fabricou, já que
os estilos de cerâmica são um modo de estimar a mudança de tradições culturais ao longo do tempo.
No Brasil, por exemplo, é possível
reconhecer um assentamento tupi-guarani só com base na cerâmica. E, por causa da decomposição rápida de restos orgânicos no
clima tropical, às vezes a cerâmica
é a única coisa que sobra.
O problema, no entanto, é a paciência de Jó exigida para montar
esse quebra-cabeça de caquinhos:
em geral, o tempo necessário para
reconstruir a peça manualmente é
proporcional ao quadrado do número de fragmentos, diz Stolfi.
"Os arqueólogos simplesmente
não têm tempo de fazer isso."
Teste do ladrilho
Com base em todos esses dilemas, Stolfi e Leitão (na época, aluna de doutorado dele na Unicamp) se puseram a desenvolver
o programa de computador. Para
testar a aplicabilidade do sistema,
eles despedaçaram um ladrilho e
tentaram recompô-lo. A tarefa,
lembra o pesquisador da Unicamp, é um pouco mais fácil porque a superfície da peça tem basicamente duas dimensões, ao contrário das vasilhas de cerâmica,
que são tridimensionais.
Com a ajuda de um scanner
(que pode ser substituído também por uma máquina fotográfica digital), os pesquisadores passam a imagem de cada caco para o
computador, que é capaz de analisar detalhes de contorno da ordem de frações de milímetro.
Uma vez determinada a geometria do fragmento, o software sai
em busca de outro pedaço que se
encaixe ali.
Uma vez achado o par ideal, o
programa indica ao pesquisador
qual o encaixe mais provável e
deixa que ele junte as peças. Como o nível de detalhamento é
grande, é muito difícil que ocorra
um falso pareamento, diz Stolfi.
Esse teste inicial deu bastante certo, de acordo com o pesquisador.
"O tempo se tornou quase [diretamente] proporcional ao número de fragmentos, ao contrário do
que acontecia antes", afirma ele.
O próximo passo, que deve estar concluído dentro de um ano, é
adaptar o sistema às peças tridimensionais dos vasos quebrados.
Tudo seria muito mais fácil se a
equipe dispussesse de um scanner
3D, que custa dezenas de milhares
de dólares. Como não têm o aparelho, os pesquisadores estão "entortando" digitalmente as peças
para permitir o encaixe necessário. "Como os museus em geral
são muito pobres, temos de desenvolver os métodos da forma
mais barata possível", diz Stolfi.
Novas aplicações
Entusiasta da arqueologia
("houve uma época em que eu só
comprava livros sobre pré-história"), o pesquisador já vislumbra
novas aplicações para o sistema,
que ainda não tem similares disponíveis. "Ele poderia ser usado
também para a reconstrução de
obras de arte, como as pinturas da
basílica de Assis que desabaram
por causa de um incêndio há alguns anos", afirma.
Próximo Texto: Explosão boreal Índice
|