São Paulo, Domingo, 23 de Janeiro de 2000


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Periscópio

Asfixia e extinção da vida

José Reis
especial para a Folha

Ao longo da história geológica têm-se registrado episódios de extinção maciça de espécies vivas. A mais conhecida e estudada é a que ocorreu no limite entre os períodos Cretáceo e Terciário, quando desapareceu um quarto das espécies, inclusive muitos dos dinossauros.
A extinção do Cretáceo-Terciário tem inspirado muitas tentativas de explicação. A mais recente e provável é a de Luís e Walter Alvarez, que formularam a hipótese do impacto de gigantesco meteorito há 65 milhões de anos e a justificaram pelo encontro de irídio, abundante naquelas estruturas, na linha que separa os dois períodos.
Embora seja a mais conhecida das extinções, essa não foi todavia a maior. Muito mais intensa foi a ocorrida na passagem do Permiano para o Triássico, há 150 milhões de anos, a qual varreu da Terra 96% de todas as espécies. Há uns 150 anos essa extinção foi escolhida como limite entre aqueles dois períodos.
Os debates sobre a extinção do Cretáceo-Terciário continuam, mas agora os palentologistas dão mais atenção ao fenômeno que aconteceu na linha Permiano-Triássico. Tudo indica que se tratou mesmo de alteração que perturbou subitamente (em termos ecológicos) uma biosfera que se mostrava estável.
O mundo era então muito diferente de hoje. Quase todos os continentes estavam unidos num supercontinente, a Pangéia, que se estendia de um pólo a outro. No lado oposto ficava o oceano Pantalasso, que ocupava 220 em torno do globo, 90 a mais do que os cobertos pelo atual oceano Pacífico. Na sua parte oriental, a Pangéia formava enorme concavidade preenchida pelo mar de Tétis, quente e tropical. O desaparecimento das espécies ocorreu durante os últimos 10 milhões de anos do Permiano.
Outra característica do fim do Permiano foi o recuo dos oceanos em relação às massas continentais, de maneira que todo o oceano se transformou em mar raso, onde a vida marinha se concentrou, deixando abundância de fósseis. Ao mesmo tempo em que os mares recuaram, a área terrestre aumentou, mas os fósseis aí encontrados são relativamente escassos. Havia, entretanto, abundante fauna, que vivia em nichos ecológicos semelhantes aos atuais.
Têm surgido várias tentativas de explicação para tão grave desastre, mas, em geral, elas não têm resistido às críticas, porque só se aplicam à vida marinha, e não à terrestre. Recentemente, Paul Wignall apresentou a explicação que parece ser a melhor. Baseia-se na distribuição dos isótopos 12 e 13 do carbono e na exaustão do oxigênio da atmosfera.
Os átomos do carbono existem em duas formas estáveis, ou isótopos, de pesos 12 e 13. O carbono orgânico (seres vivos e seus resíduos) contém mais C leve. Quando proliferam na Terra, as plantas e os animais retêm mais isótopo 12, de maneira que o registro das proporções dos dois elementos indica como se desenvolveu a vida na história geológica. Cientistas verificaram que, na fronteira Permiano-Triássico, ocorreram fortes alterações e a proporção do carbono 12 aumentou rapidamente. A única explicação plausível dessa mudança é a oxidação de grande proporção de carvão e xisto, devolvendo carbono 12 à superfície terrestre e à atmosfera.
Com a baixa do nível dos oceanos, grandes áreas de terra, outrora suboceânicas, vieram à tona e passaram a sofrer oxidação, aumentando o teor de bióxido de carbono, em detrimento do oxigênio. O teor deste teria baixado a níveis incompatíveis com a vida, que teria sido suprimida por asfixia. Fenômeno semelhante teria acontecido com a vida marinha porque a água, que teria subido novamente, e de maneira muito rápida, era anóxica, isto é, sem oxigênio suficiente. Resta ainda explicar a baixa do nível dos oceanos seguida por uma rápida elevação, do Permiano para o Triássico.


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