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ARQUEOLOGIA
Vestígios atribuídos aos guaranis estariam entre os mais antigos da América e mudariam a história da etnia
Cerâmica achada no RS pode ter 5.400 anos
LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE
Pesquisadores da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), no Rio Grande do Sul, afirmam ter encontrado restos de cerâmica de 5.400 anos de idade em
um sítio arqueológico da região.
Se estiverem corretas, as datações representam uma das cerâmicas mais antigas das Américas
-a mais antiga, encontrada no
Pará, tem 8.000 anos.
Para o arqueólogo André Ramos Soares, no entanto, a importância de seu achado vai além: ele
jogaria mais de três milênios para
trás os indícios da presença dos
índios guaranis na região.
A conclusão pode recontar a
história, ou melhor, a pré-história
da etnia, que se espalha entre o
Brasil, a Argentina e o Paraguai.
""Atualmente, é pacífico no meio
acadêmico que os guaranis viveram por aqui entre os anos 500 e
600. Há também uma teoria que
remete as suas origens para o ano
200. A nossa vai além. Mostra que
eles viveram aqui pelo menos desde 3.000 a.C.", diz Soares.
A presença dos guaranis por
tanto tempo pode reforçar a idéia
de que aquele povo manteve sua
própria cultura, em vez de ter assimilado totalmente as orientações jesuíticas, como se imagina.
A periodização proposta por
Soares é, ao mesmo tempo, uma
revolução na arqueologia e na linguística. Na arqueologia, porque
nenhum sítio guarani datado até
hoje no sul do país -uma região
escavada há quatro décadas-
tem mais de 2.000 anos de idade.
Na linguística, também, porque
até onde se sabe a família tupi-guarani, à qual pertence o idioma
guarani, tem origem amazônica.
A maioria das 21 línguas da família são faladas na região norte do
país -só o guarani é falado no
sul. As cerâmicas mais antigas relacionadas à tradição tupi-guarani também estão na Amazônia.
Há atualmente dois modelos
para explicar a dispersão dos guaranis e de seus "irmãos" tupis, que
habitaram o litoral brasileiro e
que receberam a esquadra de Pedro Álvares Cabral em 1500.
Uma delas, proposta pelo etnólogo francês Alfred Métraux, diz
que os tupis-guaranis surgiram
no Paraguai e começaram a migrar para o norte poucos séculos
antes da chegada dos europeus.
A outra, originada na pesquisa
do arqueólogo gaúcho José Joaquim Brochado nos anos 80,
aponta a Amazônia como a origem dos povos tupis e guaranis,
que teriam migrado a partir de
500 a.C. para o sul. Os achados de
Soares obrigariam os arqueólogos
a pensar num outro modelo.
Achados como esse, no entanto,
precisam ser tomados com cuidado. Em arqueologia, a regra costuma ser descartar datações anormais como erro. Em especial se
elas se originam de um só local.
"Se essas datas estão em 5.400
anos, por que todas as outras estão de 2.000 anos para baixo?",
questiona Lúcio Tadeu Mota, do
Laboratório de Arqueologia e Etnologia da Universidade Estadual
de Maringá, no Paraná.
Termoluminescência
A pesquisa coletou amostras de
solo e cerâmica, entre março de
1999 e setembro do ano passado,
na região central do Rio Grande
do Sul. A análise e a datação foram feitas pelo Laboratório de
Cristais e Vidros Iônicos da USP.
O método de datação utilizado,
no entanto, não está livre de erros.
Chamado de termoluminescência, ele mede a radioatividade residual dos cristais de quartzo presentes na cerâmica depois que a
peça é queimada para endurecer.
Acontece que a radioatividade
natural do lugar onde os vestígios
foram encontrados também pode
influenciar na datação. Se ela for
muito grande, as peças podem
parecer muito mais velhas do que
são de fato.
Resultados polêmicos podem
ser também resultado de um erro
do laboratório, por contaminação
de amostras. "No caso, o mais seguro seria mandar o material para
análise em um outro laboratório",
diz o etnohistoriador Lúcio Mota.
Soares diz ter datado 11 amostras e obtido resultados coerentes.
"O laboratório precisaria ter errado 11 vezes", afirma o cientista.
Outra questão a esclarecer é o
tempo de divergência entre o guarani e as outras línguas aparentadas. Os linguistas aceitam hoje
que a família tupi-guarani teria
surgido há não mais do que 3.000
anos -ou seja, se os guaranis de
fato estivessem no Rio Grande do
Sul há 5.400 anos, não falariam o
guarani. Enquanto essas lacunas
não forem resolvidas, os arqueólogos continuarão cheios de dúvidas sobre a origem desses índios.
Colaborou Claudio Angelo, da Reportagem Local
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