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Inseticida genético pode barrar dengue
Grupo de brasileiro nos EUA faz fêmeas de "Aedes" transgênicas incapazes de voar, que podem cortar ciclo da doença
USP tenta aplicar mesma
tecnologia ao pernilongo
comum; segundo biólogo,
efeito é temporário, o que
torna tática mais segura
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Entre os mosquitos, as fêmeas costumam ser as vilãs, já
que são elas que sugam sangue
e transmitem doenças. Nada
mais natural, portanto, que
uma nova estratégia contra os
insetos se dirija a elas: alterações genéticas que tornam os
membros do sexo feminino incapazes de voar.
Em laboratório, a ideia está
dando certo no caso do Aedes
aegypti, mal-afamado transmissor do vírus da dengue, e
também há planos de aplicá-la
ao Culex quinquefasciatus, o
pernilongo comum, que, além
de sugar sangue, também pode
carregar o causador da elefantíase. O importante é que as
modificações no DNA inviabilizam apenas o voo das fêmeas.
Os machos que as carregam são
capazes de voar normalmente,
o que ajudaria a espalhar a característica por cruzamento
com os mosquitos normais.
Dengue
Os resultados mais recentes
com o A. aegypti estão na edição de hoje da revista científica
"PNAS", descritos por uma
equipe internacional que inclui
o biólogo brasileiro Osvaldo
Marinotti, ex-professor da USP
e hoje na Universidade da Califórnia em Irvine (EUA). Marinotti explica que a criação de
fêmeas transgênicas toma partido de uma diferença natural
entre os sexos.
É que certos músculos cruciais para a capacidade de voar
das fêmeas dependem de uma
proteína, a actina-4, cuja receita está contida num gene que é
bem mais ativo nos mosquitos
que são do sexo feminino.
"Os machos têm o mesmo
gene, mas ele é expresso [ativado] numa intensidade muito
menor. O macho tem outra actina que faz a mesma função.
Não se sabe o porquê da diferença, embora se especule que
ela venha da necessidade da fêmea de ter músculos mais fortes, porque suga sangue e carrega ovos, ou seja, leva muito
peso", afirma o biólogo.
Com esse dado nas mãos, os
cientistas projetaram um fragmento de DNA que continha
dois elementos principais. Um
deles era um promotor -a região que controla quando um
gene é ligado ou desligado- específico para o gene da actina-4. O outro continha a receita
para a produção de uma substância tóxica. Na prática, isso
significa que esse "veneno" era
produzido apenas nas células
dos músculos do voo que costumam conter actina-4.
O resultado eram fêmeas cujo desenvolvimento caminhava
normalmente até a fase de larva, mas que, ao se tornar adultas, eram incapazes de usar
suas asas. Já os machos geneticamente alterados ainda conseguiam voar. Na natureza, as
fêmeas modificadas poderiam
até morrer afogadas antes de
deixar a água, onde passam a
fase larval, mas em laboratório
elas recebem um antídoto que
lhes permite ter asas normais.
"É uma estratégia muito promissora", afirma Mauro Toledo Marrelli, pesquisador da Faculdade de Saúde Pública da
USP. "Estamos tentando usar o
mesmo sistema com o Culex
quinquefasciatus, embora ainda não tenhamos criado nenhuma linhagem de mosquitos.
O Culex é mais difícil porque,
ao contrário do Aedes, que põe
seus ovos individualmente, os
dele vêm todos juntos, e é preciso separá-los em laboratório.
Nisso, você acaba perdendo
muitos ovos", diz Marrelli.
Inseticida
O pesquisador da USP compara a estratégia a um inseticida, porque ela destrói apenas as
primeiras gerações de mosquitos que cruzarem com os animais modificados. "Mais tarde,
esse gene vai desaparecer da
população, e você vai precisar
soltar mais animais modificados", diz Marinotti. "Mas, do
ponto de vista da regulação,
quando chegarmos a testes de
campo, isso é uma vantagem.
Você não vai inserir perpetuamente um gene modificado na
população, o que diminui as
preocupações com segurança."
Testes em grandes gaiolas,
uma situação considerada "semisselvagem", já estão sendo
feitos para avaliar a viabilidade
do plano, afirma Marinotti.
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