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Biólogo quer fazer cobaia com neurônio de criança autista
Cientista brasileiro planeja produzir camundongos para experimentos que possam revelar mecanismos da doença
Trabalho de 2005 mostrou
que objetivo da pesquisa é
viável; abordagem também
pode servir para estudar
epilepsia e outras doenças
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando o biólogo Alysson
Muotri publicou um trabalho
envolvendo injeção de células
humanas em embriões de roedores, em 2005, seu laboratório
recebeu diversos e-mails hostis. "Diziam que eu queria criar
a ilha do dr. Moreau aqui", conta. A ideia, porém, não era gerar
bestas meio humanas e meio
animais como as do livro de
H.G. Wells. Muotri quis mostrar como usar a técnica para
estudar doenças humanas em
cobaias. E seu objetivo, afinal,
será posto à prova agora - num
trabalho sobre autismo.
O experimento que o grupo
do biólogo na Universidade da
Califórnia em San Diego está
fazendo começa com a obtenção de células de crianças portadoras da doença. Elas são depois revertidas para o estágio
similar ao de células-tronco de
embriões e então transformadas em neurônios primitivos.
Essas células, então, podem
ser usadas tanto para estudar
aspectos celulares e moleculares do autismo quanto para a
injeção em embriões de animais. Uma vez chegando a esse
estágio, os cientistas serão capazes de criar quimeras: indivíduos em que uma parte das células tem DNA de uma espécie,
e uma segunda parte, de outra.
Usando esses animais quiméricos para compará-los com
outros comuns, Muotri espera
obter informações sobre como
o autismo se manifesta fisiologicamente. É uma abordagem
ousada para estudar uma doença ainda cercada de mistério.
"Ainda não se sabe bem como é a divisão entre a contribuição ambiental e a contribuição genética do autismo", diz
Muotri. Nesse contexto, o estudo com células de animais quiméricos tem uma vantagem. "A
gente não precisa nem saber
quais são os genes envolvidos."
Uma desvantagem, em contrapartida, é a polêmica que a
ideia de criar animais quiméricos costuma gerar. Por ter objetivos específicos e bem demonstrados, Muotri conseguiu
passar pelo crivo de um comitê
de ética para fazer seus experimentos, mas foi proibido de gerar as cobaias quiméricas indefinidamente. Seus animais não
poderão se reproduzir.
Quem teme ver algo parecido
com o homem-leopardo do Dr.
Moreau, porém, não precisa se
preocupar. As células humanas
incorporadas ao cérebro do
roedor devem ser de 0,1% a
1,0%, diz Muotri. Talvez isso
nem seja suficiente para despertar sintomas da doença na
cobaia. E acreditar que um rato
pode se tornar "autista", claro,
é algo relativo, já que a doença é
caracterizadas por inibir habilidades de cognição humanas.
Em modelos para estudo da
epilepsia -outro experimento
considerado por Muotri-, porém, isso poderia acontecer:
um roedor ter surtos como os
de humanos epilépticos. "Seria
um resultado fenomenal, porque mostraria que a doença é
"autônoma", está codificada em
cada neurônio", diz Muotri,
com a ressalva de que não espera ver isso logo de cara.
O temor público às quimeras,
ao que parece, não foi tão intenso quanto a reação negativa à
pesquisa de 2005 permitia prever. No caso da epilepsia, foi a
própria comunidade de portadores da doença e familiares
que pediu a Muotri que elaborasse uma proposta de estudo.
Vencidos preconceitos, porém, vem agora a parte mais difícil: fazer o experimento. As
culturas de neurônios com
DNA de autistas devem ficar
prontas ainda neste ano, criando um material que já pode ser
usado para pesquisar alguns aspectos da doença, diz Muotri.
Mas a criação das quimeras
ainda tem barreiras técnicas.
Os cientistas pretendem que
as células humanas ocupem
partes específicas do cérebro
dos roedores, mas ainda não
descobriram como fazer isso.
O grupo de pesquisa que vencer a corrida para resolver esse
problema será o primeiro a obter cobaias com traços autistas,
epilépticos ou o que mais os
cientistas conseguirem criar.
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