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+ Marcelo Gleiser
Lua, costela da Terra
O satélite é,
na verdade, feito
das entranhas
da Terra
Nossa companheira da noite, a
Lua, inspira não só poemas e
canções como também muita
ciência. Na Grécia Antiga, Aristóteles
sugeriu que a Lua demarcasse a fronteira entre dois mundos: o nosso, feito
dos quatro elementos fundamentais,
terra, água, ar e fogo, e o celeste, onde
a Lua, os planetas e as estrelas eram
feitos de uma quinta substância, a
quintessência ou éter. Ao contrário
dos quatro elementos terrestres, sempre em transformação, a quintessência era imutável, eterna: a Lua e os
céus eram definidos pela sua constância. Quando perguntavam a Aristóteles por que a Lua não era um disco
perfeito, como aparentava ser o Sol,
dizia que sua proximidade da Terra e
da atmosfera causava a ilusão de imperfeições na sua superfície.
Assim foi até que, em 1609, Galileu
Galilei apontou seu telescópio para a
Lua, revelando que de perfeita ela não
tinha nada. Ao contrário, mostrou que
a Lua era repleta de crateras e montanhas, parecendo bastante com as paisagens da Terra, ao menos geologicamente. Faltava algo de essencial, a cor,
o verde das plantas e o azul dos mares.
Esse aspecto morto da Lua não impediu que alguns especulassem sobre as
criaturas que lá habitavam. No que
parece ter sido o primeiro conto de
ficção científica, em torno de 1630 (foi
publicado postumamente) o astrônomo visionário Johannes Kepler especulou sobre seres lunares, meio parecidos com os daqui. Com isso, mesmo
que através da ficção, Kepler argumentou em favor de uma Lua que não
era fundamentalmente diferente da
própria Terra.
Um pouco mais tarde, Isaac Newton
baseou sua teoria da gravitação universal na órbita da Lua em torno da
Terra. Segundo a lenda, enquanto descansava sob uma macieira na fazenda
de sua mãe, Newton se perguntou, talvez quando uma maçã caiu sobre sua
cabeça, se a força que fez a maçã cair
era a mesma que fazia a Lua girar à
nossa volta. Newton concluiu que sim:
usando os resultados de Galileu, que
mostrou que a trajetória de uma bala
de canhão é parabólica, Newton sugeriu que a trajetória da Lua é como a de
uma bala disparada de um canhão no
topo de uma montanha muito alta,
que cai em direção ao chão. Só que, a
"montanha" é tão alta e a força do disparo tão grande que a bala (isto é, a
Lua) continua sempre caindo, seguindo a curvatura da Terra. Aliás, isso é
verdade para qualquer objeto em órbita, em torno da Terra ou de qualquer outro corpo celeste. Astronautas
em órbita flutuam porque estão em
queda livre, parecida com a que ocorre
num elevador despencando.
Mas a questão da origem da Lua não
foi investigada matematicamente até
o início do século 19. O marquês de
Laplace propôs um modelo de formação do Sistema Solar em que o Sol,
planetas e luas surgiram de uma grande nuvem que, devido à instabilidades, entrou em colapso enquanto girava sobre si mesma. Com isso, foi se
achatando no equador, como o que
ocorre com uma pizza. Os planetas
nasceram de concentrações de massas
em torno do Sol no centro; as luas repetiam o processo em torno dos planetas. Hoje, sabemos que o nascimento da Lua foi bem mais dramático.
Bem no início da formação do Sistema Solar, há 4,6 bilhões de anos, a
Terra-bebê, ainda uma massa de metais e rochas derretidos, foi abalroada
por um planeta do tamanho de Marte.
A colisão foi tão violenta que arrancou
uma quantidade enorme de matéria
da Terra. Parte dessa matéria entrou
em órbita e, aos poucos, agregou-se
em uma massa esférica: a Lua é feita
das entranhas da Terra. Difícil não
pensar nas linhas de Gênesis 2, 22:
"Da costela que tirara do homem,
Deus modelou uma mulher". Pares diferentes, mas sempre pares.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim
da Terra e do Céu"
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