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PALEONTOLOGIA
Infecção foi diagnosticada por pesquisadores gaúchos com base em um osso da perna achado numa praia
Preguiça gigante tinha artrite, revela exame
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Desenvolver artrite e infecção
grave nos ossos é uma coisa doída. Quando o paciente tem quatro
metros de altura e três toneladas
de peso, então, deve ser literalmente a morte. Um grupo de pesquisadores do Rio Grande do Sul
recentemente diagnosticou a
doença numa preguiça gigante,
um mamífero extinto que habitou
o Estado há cerca de 12 mil anos.
Um pedaço fossilizado da tíbia
direita do animal apareceu numa
praia no município de Santa Vitória do Palmar, perto da fronteira
com o Uruguai, e foi parar nas
mãos de Jorge Ferigolo, da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. Especialista em paleopatologia -o estudo de sinais de
doença em fósseis-, Ferigolo
quase não acreditou quando terminou de examinar o osso: o animal tinha deformações típicas de
uma osteomielite (infecção óssea)
grave, que provavelmente afetou
a articulação do pé.
"Eu nunca tinha visto um caso
assim", contou o pesquisador à
Folha. "É difícil ter isso preservado, porque a doença deixa os ossos frágeis e eles se perdem."
Não deveria ser algo bonito de
ver: a tíbia tem preservados um
grande abcesso, área de tecido ósseo corroída pela infecção, pelo
menos um sinal de fratura e buracos por onde saía pus. Segundo o
paleontólogo, isso implica que o
"paciente" provavelmente tinha
feridas purulentas na pele.
Também há sinais de que o pus
tenha vazado para dentro da articulação com o astrágalo, um dos
ossos do pé. Articulação, aliás, deformada pela artrite e maior do
que o normal. "Você quase pode
sentir a dor que esse pobre animal
teve em vida", diz Ferigolo.
Bactérias assassinas
O cientista gaúcho, que apresentou com mais quatro colegas o
diagnóstico do mamífero pré-histórico num simpósio em Rio Claro (interior paulista), em julho,
diz que a doença certamente afetou a locomoção da preguiça e sua
alimentação. Embora seja impossível afirmar só com base em um
pedaço de osso, a infecção talvez
tenha matado o gigante.
A osteomielite da preguiça terrestre (animal da família dos milodontídeos) pode ter tido várias
causas: um ferimento na pele
-talvez uma mordida de predador- que se alastrou pelo osso,
uma fratura exposta que causou a
contaminação do tecido ósseo
por bactérias ou até uma cárie.
"Em humanos, em muitos casos, bactérias na boca passam para o sangue e afetam os ossos", diz
Ferigolo. Uma vez instalada, a infecção vai destruindo o osso e a
medula óssea, produzindo os abcessos. Quando afeta articulações,
os ossos podem se fundir. Se ela se
espalha muito, a corrente sangüínea recebe uma sobrecarga de
bactérias e o doente pode morrer
de septicemia.
Detectar traços de doença em
animais pré-históricos é uma
questão de muita sorte. É difícil
ver restos desses animais preservados, e mais difícil ainda ter o sinal certo no osso certo. O milodontídeo gaúcho só teve sua ficha
médica preenchida porque o osso
afetado foi uma tíbia, que é densa
e resistiu por 12 mil anos.
Mais sorte ainda quando se considera que esses 12 mil anos foram
passados debaixo d'água: no final
do Pleistoceno, Período geológico
em que o animal viveu, o nível do
mar era mais baixo devido à extensão das calotas polares (daí essa época também ser conhecida
como Era do Gelo). O esqueleto
da preguiça gigante, portanto,
fossilizou onde hoje é o oceano.
O Pleistoceno gaúcho também
está dando outras raridades aos
paleontólogos. Ferigolo diz ter em
seu laboratório um fêmur de outra preguiça gigante com cinco
marcas paralelas de corte, feitas
pelos dentes da mandíbula de um
tigre-dente-de-sabre. Para o cientista, o fato de as marcas não terem sido feitas com os dentes superiores pode apoiar a hipótese de
que o felino não era um caçador,
mas um comedor de carniça.
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