São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2008

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Brasil tratará silicose com célula-tronco

Doença foi barrada com sucesso em experimentos com roedores; estudo será apresentado hoje por grupo do Rio de Janeiro

Síndrome pulmonar atinge 6 milhões de pessoas no país; entre as vítimas estão trabalhadores da indústria naval, mineiros e vidraceiros


EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL A ÁGUAS DE LINDÓIA

A silicose será a primeira doença pulmonar tratada com células-tronco adultas no Brasil. O anúncio do estudo clínico pioneiro será feito hoje em Águas de Lindóia (SP), durante a 23ª Reunião Anual da Fesbe (Federação de Sociedades de Biologia Experimental).
Em pesquisas com roedores, já concluídas, a equipe do professor Marcelo Morales, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), conseguiu barrar com sucesso o desenvolvimento da doença. A silicose, inflamação no pulmão deflagrada pelo contato com o pó de sílica, atinge 6 milhões de pessoas no Brasil.
A maioria dos pacientes são trabalhadores da indústria naval. Mineiros, artistas plásticos e vidraceiros também podem desenvolver a inflamação -que não tem cura nem tratamento e mata o indivíduo em cerca de 30 anos, forçando antes disso aposentadoria por invalidez.
Dez pacientes -ainda a serem escolhidos- serão tratados com as suas próprias células-tronco da medula óssea. "Elas são retiradas por meio de uma punção normal e instiladas [injetadas em forma líquida] diretamente nas vias aéreas [dos doentes]", disse Morales à Folha. Do ponto de vista fisiológico, segundo o pesquisador da UFRJ, as células-tronco da medula conseguem retardar o processo inflamatório causado pelo finíssimo pó de sílica.
A silicose não tem cura porque é impossível retirar a sílica dos pulmões. Com isso, os macrófagos [células do sistema de defesa do corpo humano] dos alvéolos pulmonares entram em ação e liberam uma série de enzimas. "Esse processo destrói outros macrófagos, iniciando uma reação em cadeia irreversível que forma fibromas no pulmão", disse o pesquisador da UFRJ.
Nos testes já feitos em laboratório, as células-tronco retiradas da medula óssea conseguiram diminuir exatamente a atividade dos macrófagos, fazendo com que a fibrose diminuísse. "Nos nossos testes, todos os parâmetros pulmonares dos animais melhoraram."
A expectativa do grupo é que o mesmo ocorra agora no tratamento que será feito em seres humanos. Porém, nessa primeira fase dos testes, o único item medido será a segurança. Cada paciente será acompanhado por um ano. Na chamada fase clínica 2 será analisada a eficiência do método.
A silicose, que foi a primeira inflamação pulmonar escolhida exatamente por ser uma doença sem tratamento e que atinge muitas pessoas no país, não é a única linha de pesquisa do grupo. Eles já investigam o uso de células-tronco adultas para outras doenças. "Em animais, estamos estudando o mesmo procedimento para asma, enfisema e doenças obstrutivas crônicas geradas pelo tabaco", afirmou Morales. "Em todos os casos, até agora, o resultado tem sido positivo."

Mecanismo desconhecido
Ao mesmo tempo em que aplicam a técnica com células-tronco que já mostrou dar resultados clínicos, os pesquisadores tentam ainda entender melhor como o processo celular básico envolvido com a freada na inflamação pulmonar está ocorrendo.
"Uma das nossas linhas de ação é tentar separar os grupos de células-tronco retiradas da medula e ver quais estão realmente agindo no pulmão. Hoje são instiladas as células-tronco totais", disse Morales.
Com um melhor domínio da pesquisa básica, esperam os cientistas, será mais fácil melhorar o rendimento da técnica clínica. "Tem muito estudo a ser feito ainda."

O repórter se hospedou em Águas de Lindóia a convite da Fesbe



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