São Paulo, domingo, 23 de agosto de 2009

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MARCELO LEITE

Questão de visibilidade


Entrada da África do Sul acaba de render mais algumas fichas para a SciELO

Imagine um portal de publicações científicas que agregue o conteúdo de 637 periódicos especializados editados em 14 países. Que, ao longo de 12 anos, tenha veiculado 204.764 artigos de pesquisa em 13.824 edições dessas revistas. E que, por não cobrar o acesso a todo esse conhecimento acumulado, tenha computado mais de 4 milhões de citações aos trabalhos nele disponíveis.
Trata-se da SciELO, a Biblioteca Eletrônica Científica Online ("Scientific Electronic Library Online", na sigla em inglês). Apesar do nome, nasceu há 12 anos em São Paulo. De lá para cá, espalhou-se pela América Latina e pela península Ibérica. Agora, atravessou o Atlântico Sul.
A SciELO foi iniciativa de visionários como Abel Packer e Rogerio Meneghini, da Bireme -a Biblioteca Virtual de Saúde/Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde, da Opas (Organização Pan-americana da Saúde). Contaram, desde o início, com recursos da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Hoje recebem apoio também do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
É provável que nenhuma outra instituição ou iniciativa tenha feito tanto para tornar a pesquisa brasileira mais visível no cenário internacional.
Ao veicular de graça na internet as edições completas dos periódicos científicos associados, a SciELO (www.scielo.org) torna-as acessíveis para qualquer outro pesquisador, ou curioso, do planeta.
Claro, a língua portuguesa continua a ser uma barreira. Mesmo assim, só a publicação de resumos em inglês ("abstracts") já ajuda a aumentar a circulação da informação, ao menos nos países que integram a rede. Por outro lado, boa parte dos periódicos científicos dessas nações é publicada em inglês, a língua franca da ciência (há nove "brazilian journals" na lista de 221 publicações tupiniquins).
A última aquisição foi a África do Sul, onde se fala inglês de verdade -além de africâner, xhosa, zulu e sotho. Uma participação ainda modesta, com apenas cinco periódicos e um total de 25 números. Bem menos que a potência científica da Espanha, cuja adesão teve início em 1999 e conta hoje com 39 revistas (das quais pelo menos cinco em inglês).
A entrada da África do Sul acaba de render mais algumas fichas para a SciELO. Wieland Gevers, um bioquímico que presidiu a Academia de Ciências daquele país de 1998 a 2004, escreveu para o periódico americano "Science" -um dos mais lidos e influentes do mundo- um editorial sobre globalização das publicações científicas que elege a SciELO como exemplo a ser seguido por outras nações africanas e regiões do mundo. O texto saiu na edição de anteontem.
Gevers destaca em seu artigo dois objetivos como as grandes qualidades na SciELO. O primeiro é a indexação de periódicos locais que, mesmo tendo qualidade e periodicidade regular, são ignorados por bases de dados globais, como a da ISI-Thomson Reuters.
O outro é dar acesso livre, em escala mundial, a esse conteúdo, que de outro modo poderia passar despercebido -dentro e fora dos países postos em rede pela SciELO.
Não é café pequeno. Em alguns gabinetes de Brasília, contudo, a SciELO costuma provocar urticária. Ali se faz vista grossa -e põe grossa nisso- para a inovação brasileira que faz sucesso por todo lado: Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Espanha, México, Paraguai, Peru, Portugal, Uruguai, Venezuela -e, agora, África do Sul.


MARCELO LEITE é autor de "Darwin" (série Folha Explica, Publifolha, 2009) e "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008). Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br).
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br


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