São Paulo, sábado, 23 de setembro de 2000

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IANOMÂMIS
Jornalista acusa cientistas de usar índios como cobaias e causar mortes; obra cria polêmica nos EUA antes de sair
Livro põe antropólogos em pé de guerra

Ormuzd Alves - 18.ago.93/Folha Imagem
Em primeiro plano, Davi Kopenawa, um dos líderes ianomâmis citados no livro de Patrick Tierney


MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA

Antes mesmo de ser lançado, um livro está sacudindo a tribo antropológica norte-americana. "Darkness in El Dorado" (Trevas no Eldorado), do jornalista Patrick Tierney, tem tudo para virar best seller também no Brasil: ianomâmis, eugenia, abuso sexual e genocídio. Todo mundo fala dele, mas ninguém ainda leu.
Melhor dizendo, pouca gente leu a obra (que traz o vendável subtítulo "Como Cientistas e Jornalistas Devastaram a Amazônia"). Um capítulo sairá na próxima revista "The New Yorker".
O alvo central das denúncias é Napoleon Chagnon, antropólogo da Universidade da Califórnia em Santa Barbara que pesquisou os ianomâmis da Venezuela na década de 60. Seu livro "O Povo Feroz" (1968) foi, durante anos, obra de referência sobre a etnia.
Ele é acusado de encenar conflitos entre aldeias ianomâmis, para documentar sua tese de que se trata de um povo cronicamente propenso para a guerra. A encenação teria depois degenerado em matança real.
Segundo Tierney, Chagnon teria também participado de experimentos conduzidos com os índios da Venezuela por James Neel, geneticista da Universidade de Michigan. Neel, que morreu em fevereiro passado (leia texto à direita), utilizou uma vacina anti-sarampo sobre a qual pesa a suspeita de ter desencadeado uma epidemia que matou dezenas, talvez centenas de ianomâmis.

Só por e-mail
Nos EUA como no Brasil, circulam vários e-mails sobre o caso. Um deles foi escrito por dois antropólogos citados no livro, Terence Turner, da Universidade Cornell, e Leslie Sponsel, da Universidade do Havaí, dos poucos que de fato leram "Darkness in El Dorado". A correspondência, originalmente destinada à presidência da Associação Antropológica Americana (AAA), alertava para o conteúdo explosivo do livro.
"Escrevemos para informar sobre um escândalo iminente que vai afetar a profissão antropológica americana como um todo aos olhos do público e despertar indignação intensa e chamados à ação entre os membros da associação", diz o e-mail. "Por sua escala, ramificações, pura criminalidade e corrupção, não tem paralelo na história da antropologia."
A AAA publicou nota oficial que pode ser lida na Internet (www.ameranthassn.org/press/ eldorado.htm). "Até que haja uma discussão e uma revisão completa e imparcial das questões levantadas pelo livro, seria injusto externar um julgamento sobre as acusações específicas contra indivíduos que ele contém", afirma.

O que diz Chagnon
O caso chegou a uma publicação dirigida a acadêmicos norte-americanos, "The Chronicle of Higher Education". Procurado por ela, Napoleon Chagnon disse que não se pronunciaria. No entanto, um e-mail seu com uma espécie de pedido de socorro acadêmico também caiu na rede.
Chagnon afirma, na mensagem a um colega da Universidade da Califórnia: "Preciso de todos os aliados que puder reunir, nesta altura". Informa que está constituindo um advogado especializado em processos de calúnia e difamação e negociando com a revista "The New Yorker" a publicação de sua versão na mesma edição em que sairá o texto de Tierney.
Nem mesmo os inimigos de Chagnon saem ilesos de "Darkness in El Dorado". Por exemplo, o antropólogo francês Jacques Lizot, que viveu 30 anos entre ianomâmis venezuelanos e sobre eles escreveu "O Círculo dos Fogos" (lançado no Brasil pela editora Martins Fontes). Segundo Tierney, Lizot não teria apenas escrito sobre a liberdade sexual entre índios, mas também usufruído dela.

"Darkness in El Dorado", de Patrick Tierney. W.W. Norton, 416 págs. US$ 27,95. Lançamento em outubro.


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