São Paulo, sábado, 23 de novembro de 2002

Próximo Texto | Índice

BIOTECNOLOGIA

Nova molécula obtida na Alemanha a partir de micróbios alterados geneticamente pode ter usos médicos

Bactérias fabricam plástico biodegradável

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O futuro das fábricas de plástico sugerido pelas pesquisas de um grupo de cientistas alemães pode ser bem tenebroso: a maioria dos trabalhadores trabalharia dia e noite, ininterruptamente, sem direito a salário e recebendo apenas o mínimo necessário à sobrevivência. Pobres bactérias.
Uma breve amostra desse futuro está publicada na última edição da revista britânica "Nature Materials" (materials.nature.com). Nela, a equipe liderada por Alexander Steinbüchel, da Universidade de Münster, relata os detalhes de um experimento que colocou micróbios para trabalhar na fabricação de uma classe específica de polímero, biodegradável.
A categoria sintetizada pelas bactérias é a dos politioésteres, mas antes que ouvissem alguém perguntando "poli tio de quem?", os pesquisadores preferiram abreviar e chamar esses compostos de PTEs. "A publicação descreve a primeira biossíntese bem-sucedida dessas moléculas", afirma Tina Lükte-Eversloh, primeira autora do estudo.
Os PTEs são um dos vários tipos de polímero -moléculas gigantescas compostas por cadeias repetitivas baseadas em átomos de carbono- que podem ser usados na fabricação de materiais plásticos. Existe uma crescente busca entre as indústrias por métodos de obtenção de materiais com essas propriedades que sejam menos agressivos ao ambiente.
Atualmente, esses compostos são obtidos a partir do processamento de petróleo -não exatamente a substância mais amigável ao ambiente. Além de seus derivados poderem voltar à atmosfera acentuando os efeitos do aquecimento global, a grande maioria dos materiais plásticos produzidos a partir do petróleo não são biodegradáveis. Ou seja, a natureza é incapaz de assimilá-los novamente, impedindo que as substâncias participem de um ciclo equilibrado de uso e descarte.

Idéia antiga
Polímeros fabricados por bactéria não são uma grande novidade. Alguns deles, conhecidos como PHAs (ou polihidroxialcanoatos, para quem prefere nomes estranhos e difíceis de ler), já foram fabricados a partir da manipulação do metabolismo de bactérias para transformá-las em "biofábricas".
"A síntese bacteriana de polímeros termoplásticos é conhecida há décadas", diz Lütke-Eversloh. "No nosso caso, queríamos achar caminhos alternativos para biossíntese de novos polímeros."
Esses novos métodos poderiam oferecer a alternativa ideal para a obtenção desses produtos. Mas ainda falta muito até que seja possível tornar essa biotecnologia comercialmente competitiva.
"Hoje em dia, polímeros bacterianos não competem comercialmente com polímeros produzidos petroquimicamente. Mas a academia e a indústria têm explorado a possibilidade de produzi-los por fermentação microbiana e por uso de plantas transgênicas", diz Lükte-Eversloh. "Acho que isso vai ser importante, considerando os decrescentes recursos petrolíferos e o senso humano de responsabilidade pela natureza."

Micróbio predileto
Para obter os PTEs, os pesquisadores utilizaram uma versão modificada geneticamente da Escherichia coli. Para o azar dela, trata-se de uma das bactérias favoritas dos cientistas para experimentos. As ditas cujas receberam um conjunto de genes projetado artificialmente para dar à bactéria as informações necessárias para que ela sintetizasse os compostos procurados. E os resultados foram bastante animadores.
"No começo, ficamos impressionados pela falta de especificidade das enzimas [proteínas que estimulam as reações] envolvidas", conta a pesquisadora. "Mas funciona. E é notável que esse seja um caminho de biossíntese não-natural, demonstrando o potencial de técnicas moleculares para a engenharia de metabolismo."
De acordo com os pesquisadores, as potenciais aplicações dos novos PTEs ainda estão para ser descobertas. Mas elas são como as proverbiais bruxas -que existem, existem. "PTEs são materiais interessantes para aplicações especializadas", afirma Lükte-Eversloh. "Usos médicos de politioésteres como biomateriais implantáveis podem ser possíveis, considerando por exemplo as propriedades antimicrobianas do enxofre. Entretanto, agora, só podemos especular -a utilidade desses novos biopolímeros precisa ser investigada."


Próximo Texto: Panorâmica - Visitante polar
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.