São Paulo, sexta-feira, 23 de novembro de 2007

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Sertão era 3C mais frio há 5.400 anos, diz cientista

Trabalho foi o primeiro a usar modelo nacional para simular o clima no passado

Cerrado existia onde hoje é caatinga devido a variações na posição da Terra que deixaram a região Nordeste com 75% mais umidade

Jarbas Oliveira - 15.01.2003/Folha Imagem
Menino usa jumento para buscar água no sertão do Ceará


FÁBIO AMATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

Num período conhecido como Holoceno Médio, que durou de 6.500 a 5.400 anos atrás, o Nordeste brasileiro teve temperatura média 3C inferior à atual e registrou até 75% mais chuva do que agora.
E, devido a essas condições, as áreas hoje tomadas pela caatinga (vegetação formada por pequenas árvores, normalmente espinhosas) eram então ocupadas por savana (formada por gramíneas, arbustos e árvores esparsas), uma vegetação semelhante ao cerrado.
A conclusão está na tese de doutorado da meteorologista e pesquisadora do CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos) Maria Luciene Dias de Melo, a ser defendida no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Que o Nordeste era bem mais fresco e úmido no passado os cientistas já sabiam. As evidências disso estão no registro geológico, na arqueologia e nos fósseis. Acredita-se que a Serra da Capivara, no Piauí, hoje caatinga, fosse uma região verdejante e muito mais úmida entre o final do Pleistoceno (Era do Gelo) e o início do Holoceno. Isso possibilitou a ocupação das cavernas da região por grupos humanos milênios atrás.
O problema era que não se sabia exatamente o quanto. Melo utilizou um programa de computador para simular as condições da Terra durante aquele período, entre elas as mudanças nos chamados parâmetros orbitais do planeta: o grau de inclinação, a excentricidade (referente à forma de sua órbita, se mais elíptica ou arredondada) e a precessão dos equinócios (movimento que define a posição do eixo da Terra em relação ao Sol). O trabalho foi o primeiro a usar um modelo climático nacional para simular o paleoclima, ou seja, o clima do passado.

Nordeste sem sol
Durante o Holoceno Médio -e ao contrário de hoje-, a posição do eixo do planeta deixava o hemisfério Norte mais próximo do Sol, enquanto o sul ficava mais distante. Com isso, a quantidade de radiação solar que chegava até a América do Sul entre os meses de dezembro e fevereiro (verão) era cerca de 5% menor que a atual, segundo a pesquisadora.
A radiação solar influencia o posicionamento e a intensidade dos sistemas de ventos ligados às chuvas e à temperatura. E foi a mudança na posição de um desses sistemas, o de alta pressão do Atlântico Sul, a responsável pelas características do clima e da vegetação do Nordeste no Holoceno Médio.
O sistema de alta pressão do Atlântico Sul está posicionado sobre o oceano e leva umidade principalmente para as regiões Sul e Sudeste do Brasil.
"Mas, durante o Holoceno Médio, o sistema ficou cerca de 200 km mais próximo do continente e os ventos passaram a carregar umidade também para o Nordeste do país, provocando mais chuva e temperatura média mais baixa do que a verificada na região atualmente", disse Melo.
De acordo com a pesquisadora, a temperatura média no Nordeste durante o Holoceno Médio foi de 21C a 25C. Hoje, ela varia de 24C a 28C. Já a média de chuva na região, que agora é de 200 mm no outono, foi de até 350 mm durante a mesma época do ano naquele período da pré-história.


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