São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2008

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A vingança de Gräfenberg

Estudo italiano reacende o debate sobre a existência do ponto G, tido como mito por muitos cientistas

EMILY DUGAN
DO "INDEPENDENT"

Em 1950, o homem se deparou pela primeira vez com o ponto G. A descoberta não foi feita em um quarto de motel -na verdade, nem mesmo em uma cama- mas no laboratório de um excêntrico cientista alemão.
Quando Ernst Gräfenberg alegou ter descoberto uma parte do corpo feminino que, ao ser atingida, traria prazer sexual inenarrável, a comunidade científica pôs-se a rir. Ainda faltava muito para aparecerem as saias curtas e o espírito libertino dos anos 1960, e poucos deram ouvido a seu relato.
Descrevendo-a como "uma zona erógena localizada na parede anterior da vagina, junto do curso da uretra, que se dilata durante estimulação sexual", Gräfenberg disse ter achado o mais importante de uma série de "pontos erotogênicos" localizados em todo o corpo.
O médico, cuja inicial do sobrenome originou a expressão ponto G, foi ridicularizado por afirmar que haveria uma área que guarda a chave para o mais intenso orgasmo feminino. Esteja a teoria correta ou não, o debate parece ter atingido um clímax agora. Pela primeira vez na história, um grupo de cientistas italianos alega ter encontrado evidências convincentes de que o ponto G existe.
Assim como Gräfenberg havia previsto, pesquisadores da Universidade de Áquila acharam o ponto G no tecido entre a uretra e a vagina. Mas existe, dizem, um pequeno porém.
Os italianos descobriram que em algumas mulheres a anatomia da área simplesmente não está equipada para o píncaro do prazer feminino. Resumindo: algumas mulheres tem um ponto G, outras não.

Parede espessa
Usando ultrassom, os cientistas examinaram nove mulheres que diziam experimentar orgasmo vaginal e outras onze que não. Eles descobriram que as primeiras possuíam uma parede de tecido mais espessa entre a uretra e a vagina: o local onde estaria o ponto G.
Emmanuele Jannini, a cientista mentora do trabalho, alega que pela primeira vez é possível determinar, com um método simples, rápido e barato, se uma mulher possui o ponto.
Seu estudo, publicado na revista "Journal of Sexual Medicine", afirma que as mulheres sem essa parede de tecido avantajada jamais atingirão um orgasmo sem estimulação do clitóris. A notícia causou rebuliço na comunidade de ginecologistas, na qual especialistas sequer haviam chegado a um consenso de que isso existiria.
Segundo Tim Spector, do Hospital St. Thomas, de Londres, essa área ricamente enervada pode ser simplesmente a parte interna do clitóris, e só.
"Os autores acharam uma parede vaginal mais espessa próxima à uretra e postulam que isso esteja ligado à presença do controverso ponto G", disse. "Contudo, muitas outras explicações são possíveis -como o tamanho real do clitóris, que, apesar de não ter sido medido neste estudo, parece ser altamente variável."
Spector não é o primeiro cético em relação ao ponto G. Muitas das pesquisas que favorecem sua existência -incluindo a de Gräfenberg- foram descartadas por se basearem excessivamente em relatos esparsos de mulheres. Um estudo nos anos 1980 foi amplamente criticado por ter sido inteiramente em experiências de mulheres que diziam ter um orgasmo "mais profundo" quando a área era estimulada.
Até hoje não está claro como o próprio Gräfenberg fez sua pesquisa, mas a julgar pela descrição de seu "experimento", a coisa foi feita um tanto a olho.
"Mesmo quando toda a vagina apresentava boa reação, essa área em particular era mais facilmente estimulada pelo dedo do que outras áreas da vagina", escreveu o ginecologista.
Quaisquer que tenham sido seus métodos, aparentemente os caçadores do Santo Graal do prazer feminino acabaram tendo problemas para provar que ele existia em um ponto.
Em 1981, Jones Stewart, afirmou que tinha provado categoricamente que a existência do ponto G era um mito. Segundo ele, mulheres que tiveram tecido da suposta área do ponto G removido não relataram nenhuma perda de sensibilidade.
Colin Holt, terapeuta psicossexual, critica a busca interminável de um ponto, já que a maioria ainda atinge o orgasmo clitoridiano. "As pessoas deveriam parar de ficar procurando todos esses diferentes pontos, relaxar, e curtir o sexo", diz.
Exista ou não o ponto G, talvez Gräfenberg tenha deixado uma pílula de sabedoria: "A solução do problema seria mais bem aprofundada se os sexólogos soubessem exatamente sobre o que estão falando."


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