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São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2003

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COMPORTAMENTO

Experimento britânico revela que neurotransmissor associado a prazer cresce quando incerteza é maior

Jogo também parece fascinar os macacos

DA REPORTAGEM LOCAL

A excitação da jogatina parece ter contagiado os macacos do laboratório de Christopher Fiorillo, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. A julgar por seu experimento, publicado na última edição da revista "Science" (www.sciencemag.org), o vício das apostas e a paixão irreprimida pelo risco são muito mais primitivos que a mente humana.
No começo do experimento, Fiorillo e seus colegas -Philippe N. Tobler e Wolfram Schultz, ambos da Universidade de Friburgo (Suíça)- treinaram seus símios na tradição pavloviana: toda vez que aparecia um sinal num monitor, os macacos recebiam um pouco de suco. Não demorou muito para aprenderem que cada sinal traria dois segundos depois uma recompensa.
Analisando a química cerebral dos animais, os cientistas verificaram um aumento de dopamina, substância usualmente associada a sensações de prazer e também à compulsão para a repetição, para reproduzir uma experiência.

Reforço controverso
"É provável que a dopamina tenha um impacto emocional forte que é usualmente percebido como positivo, embora seu papel nas emoções seja controverso", diz Fiorillo. "O que se sabe é que ela é reforçadora."
Depois que os macacos estavam bem treinados, os pesquisadores introduziram incerteza no experimento: às vezes davam a gota dois segundos após o sinal e às vezes, não. A frequência com que davam ou não a recompensa foi uma das variáveis dos testes.
Três cenários de incerteza foram criados: num deles, o macaco recebia o suco uma em quatro vezes (25%); noutro, três em quatro vezes (75%); num terceiro, uma em duas vezes (50%). A surpresa é que os níveis de dopamina no macaco subiam mais nos dois segundos que sucediam o sinal visual no terceiro cenário, quando o grau de incerteza era maior.
No primeiro cenário, o macaco parecia desconfiar que provavelmente não iria receber o suco. No segundo, que provavelmente iria receber. No terceiro, em que a probabilidade era meio a meio, ele não tinha como esperar nada de definido. Em resumo, os níveis de dopamina indicaram um alto grau de excitação no macaco com a noção de que poderia ou não ser recompensado.
Esses resultados sugerem que o "instinto" do jogador é um traço comum a vários animais e não depende de alto nível humano de abstração. Talvez os aficionados por roletas e jogos de azar estejam simplesmente agindo por uma espécie de condicionamento bioquímico. Mais difícil de entender é a origem de um sistema aparentemente tão contraproducente. Fiorillo aposta que há uma razão: o mecanismo da atenção.
"Não sabemos, mas uma possibilidade é que algum nível de aposta seja benéfico em ambientes naturais. Quando um animal corre um risco, ele pode ganhar ou perder, mas de todo modo provavelmente aprenderá algo que será útil no futuro. Isso porque recompensas naturais tendem a ser previsíveis a partir de estímulos do ambiente ou de ações do animal. Logo, a incerteza tende a diminuir conforme o animal aprende sobre seu ambiente."
Nos homens, o comportamento natural é reapropriado em contexto cultural e se autonomiza, tornando-se uma característica indesejável. "Num cassino, as probabilidades são fixas, e não há nada útil a ser aprendido, que possa ajudar alguém a predizer perdas ou ganhos. O cérebro não foi projetado para lidar com as chances fixas do cassino."

"Instinto" sob controle
Eliminar a índole apostadora dos homens parece difícil. Uma opção seria desenvolver algo que pudesse manter o "instinto" sob controle, evitando que apostadores percam tudo tentando quebrar a banca, algo descartado por definição. Talvez o conhecimento de que a dopamina tem algo a ver com esse processo possa ajudar.
"Drogas diretamente direcionadas ao sistema dopaminérgico foram muito úteis no tratamento do mal de Parkinson e da esquizofrenia, mas até agora tiveram pouca utilidade para tratar o vício das drogas [todas essas são condições que envolvem alteração nos níveis de dopamina, em maior ou menor escala]", diz Fiorillo.
De toda forma, desenvolver drogas anticompulsão por apostas seria uma tarefa para outro pesquisador. "Meu trabalho está realmente bem distante desse aspecto da pesquisa", afirma.


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