São Paulo, sábado, 24 de agosto de 2002

Texto Anterior | Índice

Brasil quer impedir recuos, diz ministro

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A prioridade do Brasil na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10), em Johannesburgo (África do Sul), é confrontar os países desenvolvidos em dois aspectos: impor a discussão sobre a pobreza e a ordem econômica mundial e impedir a tentativa explícita, liderada pelos Estados Unidos, de retroceder em alguns pontos centrais da Eco-92.
Quem diz isso é o ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, para quem o Brasil tem bala na agulha para enfrentar a pressão dos países ricos. Além de o país ter a maior biodiversidade do planeta, o presidente Fernando Henrique Cardoso vai falar no encontro de chefes de Estado, no final da conferência, nos primeiros dias de setembro, com a delegação dos 33 países da América Latina e do Caribe.
Os dois recuos que o Brasil teme em relação à Eco-92 são: 1) na responsabilidade diferenciada dos países pelo financiamento e pelas medidas de desenvolvimento sustentável; e 2) na repartição de benefícios das matérias-primas naturais entre os países que as produzem e os que as comercializam.
"Todos os países têm responsabilidade, mas só os EUA são culpados por 25% da emissão de gases que provocam o efeito estufa. A responsabilidade, portanto, tem de ser diferenciada, não pode ser igual à do Uruguai ou à do Brasil. Por que seria?", disse Carvalho à Folha, anteontem.
Horas depois, ele participou do anúncio oficial, no Planalto, do novo parque de Tumucumaque, que passa a ser o maior de florestas tropicais do mundo e um dos troféus brasileiros na Rio +10, para mostrar que o país "está fazendo a lição de casa".
No caso da repartição de benefícios, Carvalho foi curto e grosso: "É inegociável". A questão é especialmente sensível para o Brasil, que é ambiente natural de plantas, raízes e várias espécies naturais que são colhidas na Amazônia, por exemplo, e utilizadas em medicamentos ou perfumes no exterior, gerando bilhões de dólares em receitas para grandes indústrias multinacionais.
"É preciso que o país e as comunidades locais de onde são retiradas tenham participação nesse lucro", diz ele, batendo numa tecla de anos no Brasil, que assinou a Convenção de Biodiversidade e tem uma medida provisória do governo garantindo a remuneração dos locais e das comunidades.
O receio de retrocesso não é à toa. Ao contrário, os EUA já até apresentaram proposta formal contrária ao artigo 85 (sobre a repartição de benefícios) do Plano de Implementação, o principal texto em discussão na conferência, nas quatro reuniões preparatórias patrocinadas pela ONU (Organização das Nações Unidas) para a Rio +10. E tiveram apoio tácito da UE (União Européia).
Carvalho não esconde que recebeu com alívio a decisão do presidente norte-americano George W. Bush de não ir a Johannesburgo e enviar em seu lugar o secretário de Estado, Colin Powell: "O Bush assumiu desde o início uma posição francamente retrógrada e reacionária em relação a questões ambientais. O Colin Powell tem uma posição mais pró-ativa", disse o ministro, engenheiro florestal, que completa 50 anos no dia 5 de setembro.

Origem da miséria
Quanto ao debate sobre a pobreza, EUA e União Européia têm uma posição distinta. Os norte-americanos tentam difundir a idéia de que não se deve discutir a questão num fórum sobre ambiente. Já os europeus concordam que o tema é obrigatório.
Para o Brasil, não é possível discutir desenvolvimento sustentável sem entrar no espinhoso debate sobre "a origem da miséria, que não é local nem regional, mas tem profunda origem na injusta e inadmissível ordem mundial", como disse Carvalho.
"Sem discutir os desequilíbrios regionais, de renda, entre nações, Estados do mesmo país e pessoas, vai se eternizar a velha prática filantrópica nesse tipo de encontro. Isso nós não queremos", acrescentou Carvalho, afirmando que "não é à toa" que a Rio +10 será na África -um dos mais pobres continentes do mundo.
Ele destaca que ficou acertado na Eco-92 que os países desenvolvidos usariam 0,7% do PIB (Produto Interno Bruto) para ajudar os países em desenvolvimento. Em 92, esse percentual era de 0,4%. Dez anos depois, em vez de aumentar, diminuiu para 0,22%.
É por essas e outras que Carvalho admite "um certo pessimismo" para a conferência de Johannesburgo e diz que o mais importante vai ser estabelecer metas e plataformas de ação. E sem jogar a toalha: "Sempre pode haver uma surpresa", disse.


Texto Anterior: Rio +10: Fórum Global começa com pouco público
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.