São Paulo, domingo, 24 de setembro de 2000

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+ ciência
Livro usa a história da antimatéria para passear pela história da pesquisa subatômica no século 20 e pela rivalidade entre os Estados Unidos e a Europa
A corrida pelas partículas

O livro "Antimatter - The Ultimate Mirror" (Antimatéria - O Espelho Definitivo), de Gordon Fraser, usa como pretexto a criação das primeiras amostras de anti-hidrogênio -a versão mais simples de átomos de antimatéria- em 1996 para contar a história da física de partículas.
Não que isso seja ruim. Muito ao contrário, o recurso é bem inteligente. Não é pecado, em divulgação científica, utilizar um chamariz popular como a antimatéria, um conceito com tantas aparições na literatura de ficção científica, para despertar a atenção do público para os eventos que puseram ao alcance do homem o conhecimento das forças que dominam o mundo subatômico.
Sendo editor de uma publicação pertencente ao Cern, o maior laboratório europeu de partículas, o autor revela um apreço maior pela experiência do que pelas especulações teóricas. Assim, a cronologia da história moderna do mundo quântico começa, para ele, com Galileu. Embora átomos e o célebre cientista italiano do século 17 não tenham vínculo algum, sua obra marca a maior revolução metodológica da história da ciência: a valorização dos experimentos controlados.
Claro que não há omissão dos grandes teóricos da área. Na verdade, grande destaque vai para Paul Dirac, o físico que cogitou pela primeira vez a existência de uma antipartícula do elétron (com a mesma massa, mas com carga positiva), que ganhou o nome de pósitron. Max Planck, com seu conceito dos pacotes de energia -os quanta-, tampouco foi esquecido.
Mas, para Fraser, a grande aventura do estudo da antimatéria está na caçada às partículas e nos engenhosos experimentos projetados para ela. Esse enfoque é especialmente importante por destacar nomes menos lembrados na literatura de divulgação científica, como Carl Anderson e Wolfgang Pauli, só para citar dois exemplos.
Não que estes sejam completos desconhecidos -quem passou pelo 2º grau seguramente já ouviu falar de Rutherford-, mas há um contraste muito grande entre esses nomes e os de Albert Einstein e Isaac Newton, por exemplo.
O livro não poderia ter sido escrito em momento mais adequado. Acompanhando a corrida para a detecção de partículas, o autor transporta o leitor para as origens da concorrência entre o Cern, europeu, e o Fermilab, norte-americano, pela hegemonia no campo experimental da física de partículas, que remonta ao fim da Segunda Guerra Mundial. Essa concorrência se fez sentir com grande força nos últimos meses.
Em julho, o Fermilab anunciou a primeira detecção do tau-neutrino -a última versão de neutrino que faltava ser encontrada pelos cientistas. A próxima meta seria procurar pelo bóson de Higgs, uma partícula à qual cabe a responsabilidade de explicar toda a massa do Universo.
O Fermilab já está preparando um equipamento poderoso que poderá detectar pela primeira vez de forma conclusiva o bóson de Higgs. Enquanto isso, o Cern tenta correr com os cadarços amarrados um no outro.
O laboratório está para ser fechado para que um equipamento mais potente seja instalado. O novo acelerador, de nome LHC (Grande Colisor de Hádrons), só deve entrar em operação em 2005. Mas os europeus temem que seja muito tempo para evitar a primazia do Fermilab.
No início do mês, o Cern anunciou a obtenção de potenciais evidências da detecção do bóson de Higgs em dados obtidos com o LEP, o atual estilhaçador de partículas. O anúncio prematuro rendeu mais um mês para os pesquisadores -diante das evidências, os europeus decidiram manter o LEP por mais um mês, antes de fechar a instalação.
A disputa entre europeus e americanos é boa. Quem vai vencer, nem o bom livro de Fraser sabe ainda dizer.



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