São Paulo, domingo, 24 de setembro de 2000

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Periscópio
Retinóides e embriologia

José Reis
especial para a Folha

Muita sensação causou a recente ligação de retinóides (grupo a que pertence a vitamina A, ou retinol) ao desenvolvimento embrionário. Desse assunto trata Michelle Hoffman em "Science" (250, 373).
Os retinóides, em particular o ácido retinóico, parecem desempenhar o papel atribuído aos morfogênios, isto é, moléculas que determinam o sentido da diferenciação das células. Segundo uma teoria clássica, os morfogênios deveriam espalhar-se ao longo do embrião em gradiente de concentração, e as células se diferenciariam segundo a quantidade de morfogênio a que se achassem expostas.
Esse modelo recebeu grande apoio há 20 anos, com uma experiência de John Saunders e Mary Gasseling. Eles enxertaram parte da porção posterior de um botão que, no embrião do pinto, deveria produzir um membro, na porção anterior de outro botão do mesmo tipo. E verificaram que o botão enxertado desenvolvia uma série extra de dedos, formando imagem especular da primeira série. A região enxertada foi batizada de ZPA (zona de atividade polarizante). Muitos embriologistas admitiram que essa zona encerrasse o morfogênio.
Vários especialistas demonstraram depois que, quando aplicado diretamente na parte anterior do botão embrionário, o ácido retinóico pode provocar efeito semelhante ao obtido naquela experiência, o que seria indício de que o ácido poderia ser o morfogênio. Mas para tanto seria preciso que o ácido retinóico estivesse presente no embrião conforme padrão nitidamente espacial. Em 1987, Gregor Eichele e Christina Taller mostraram que assim de fato acontece. O ácido retinóico encontra-se no botão embrionário e acha-se distribuído em gradiente, ficando a maior concentração na região posterior, que contém a ZPA. Outras experiências comprovaram esse achado, inclusive em embriões humanos.
O ácido retinóico pode agir em numerosos tecidos em desenvolvimento, nos quais provoca efeitos diversos, mas isso ainda não prova que ele seja o morfogênio, pois poderia agir por intermédio de algum outro fator. Daí o grande interesse atual em descobrir como o ácido retinóico age. Pesquisadores do laboratório de Pierre Chambon e do de Ron Evans identificaram a primeira família de receptores daquele ácido. Tais receptores, ao contrário da maioria dessas estruturas, não ficam na superfície celular, mas no núcleo. Acredita-se que o ácido penetre passivamente na célula e se difunda até o núcleo, onde encontraria o seu receptor e a ele se prenderia. O receptor seria uma proteína cuja afinidade pelo DNA aumentaria quando ela se achasse ligada ao ácido. Esse complexo regularia a expressão, ou manifestação, de genes-alvo que especificariam a função definitiva da célula madura.
Depois desse sucesso, outros receptores foram isolados e muita teoria se desenvolveu para explicar como eles atuam em conjunto, assegurando o processo de auto-regulação. Por essas teorias, parece que o ácido retinóico é na verdade o morfogênio fundamental. Acontece, porém, que Thaller e Eichele demonstraram que outro retinóide, o ácido dideidroretinóico, apresenta quase as mesmas propriedades do retinóico, parecendo envolvido no desenvolvimento dos botões relativos aos membros. Eles também descobriram uma outra classe de receptores retinóides (RXR).
Tudo isso representa sem dúvida belo progresso, mas continuamos sem saber como o ácido retinóico exerce seus efeitos na célula em desenvolvimento.



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