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Periscópio
Retinóides e embriologia
José Reis
especial para a Folha
Muita sensação causou a recente ligação de retinóides (grupo a que
pertence a vitamina A, ou retinol) ao desenvolvimento embrionário. Desse assunto trata Michelle Hoffman em
"Science" (250, 373).
Os retinóides, em particular o ácido retinóico, parecem desempenhar o papel
atribuído aos morfogênios, isto é, moléculas que determinam o sentido da diferenciação das células. Segundo uma teoria clássica, os morfogênios deveriam espalhar-se ao longo do embrião em gradiente de concentração, e as células se diferenciariam segundo a quantidade de
morfogênio a que se achassem expostas.
Esse modelo recebeu grande apoio há
20 anos, com uma experiência de John
Saunders e Mary Gasseling. Eles enxertaram parte da porção posterior de um botão que, no embrião do pinto, deveria
produzir um membro, na porção anterior de outro botão do mesmo tipo. E verificaram que o botão enxertado desenvolvia uma série extra de dedos, formando imagem especular da primeira série.
A região enxertada foi batizada de ZPA
(zona de atividade polarizante). Muitos
embriologistas admitiram que essa zona
encerrasse o morfogênio.
Vários especialistas demonstraram depois que, quando aplicado diretamente
na parte anterior do botão embrionário,
o ácido retinóico pode provocar efeito
semelhante ao obtido naquela experiência, o que seria indício de que o ácido poderia ser o morfogênio. Mas para tanto
seria preciso que o ácido retinóico estivesse presente no embrião conforme padrão nitidamente espacial. Em 1987, Gregor Eichele e Christina Taller mostraram
que assim de fato acontece. O ácido retinóico encontra-se no botão embrionário
e acha-se distribuído em gradiente, ficando a maior concentração na região
posterior, que contém a ZPA. Outras experiências comprovaram esse achado,
inclusive em embriões humanos.
O ácido retinóico pode agir em numerosos tecidos em desenvolvimento, nos
quais provoca efeitos diversos, mas isso
ainda não prova que ele seja o morfogênio, pois poderia agir por intermédio de
algum outro fator. Daí o grande interesse
atual em descobrir como o ácido retinóico age. Pesquisadores do laboratório de
Pierre Chambon e do de Ron Evans
identificaram a primeira família de receptores daquele ácido. Tais receptores,
ao contrário da maioria dessas estruturas, não ficam na superfície celular, mas
no núcleo. Acredita-se que o ácido penetre passivamente na célula e se difunda
até o núcleo, onde encontraria o seu receptor e a ele se prenderia. O receptor seria uma proteína cuja afinidade pelo
DNA aumentaria quando ela se achasse
ligada ao ácido. Esse complexo regularia
a expressão, ou manifestação, de genes-alvo que especificariam a função definitiva da célula madura.
Depois desse sucesso, outros receptores foram isolados e muita teoria se desenvolveu para explicar como eles atuam
em conjunto, assegurando o processo de
auto-regulação. Por essas teorias, parece
que o ácido retinóico é na verdade o
morfogênio fundamental. Acontece, porém, que Thaller e Eichele demonstraram que outro retinóide, o ácido dideidroretinóico, apresenta quase as mesmas propriedades do retinóico, parecendo envolvido no desenvolvimento dos
botões relativos aos membros. Eles também descobriram uma outra classe de
receptores retinóides (RXR).
Tudo isso representa sem dúvida belo
progresso, mas continuamos sem saber
como o ácido retinóico exerce seus efeitos na célula em desenvolvimento.
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