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Nova "arca de Noé" vai guardar sementes
Banco gigantesco localizado no círculo Ártico vai proteger uma cópia de tudo o que o ser humano cultiva no mundo
Armazém no arquipélago norueguês de Svalbard tem capacidade para armazenar até 4,5 milhões de amostras de sementes agriculturáveis
GIOVANA GIRARDI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Se uma hecatombe nuclear
destruir a vida na Terra no futuro ou um asteróide se chocar
com o planeta e levantar uma
nuvem de poeira que vai tampar o Sol e impedir o crescimento de plantas -ou ainda o
pior cenário de aquecimento
global se concretizar e matar
boa parte da diversidade da
Terra-, mesmo assim as pessoas que sobreviverem terão a
chance de recomeçar.
Pelo menos essa é a intenção
por trás de um projeto gigantesco de armazenamento de sementes que está sendo construído no remoto arquipélago
norueguês de Svalbard, localizado no círculo Ártico. Em uma
versão moderna da Arca de Noé
-que, diz a lenda, salvou do dilúvio um casal de cada espécie
de animal-, a nova arca pretende preservar sementes de
todos os tipos de culturas agrícolas. Se tudo o mais der errado
e faltar comida no mundo, os
humanos remanescentes poderão reiniciar suas plantações.
Tragédias à parte -e apesar
de já ter recebido o apelido de
arca do fim do mundo-, o armazém de Svalbard já deve
mostrar sua utilidade em situações bem mais corriqueiras.
"Ele vai funcionar como uma
espécie de seguro dos outros
1.400 bancos de semente existentes hoje no mundo, será um
"backup" de todos eles", explica
Cary Fowler, diretor da Global
Crop Diversity Trust, empresa
responsável pela parte científica e tecnológica do projeto.
"Se um banco perder uma de
suas amostras -e, francamente, isso acontece o tempo todo,
seja por acidente, mal gerenciamento, desastre natural ou
guerra civil- ela não terá sumido completamente se este banco mantiver uma cópia em
Svalbard", afirma.
"A verdade é que nem vamos
precisar de asteróide batendo
na Terra para esta arca ser útil,
porque infelizmente os erros
humanos acontecem, perdemos diversidade o tempo todo."
Um pouco mais frio
A arca norueguesa deve começar a receber amostras de
sementes em fevereiro do ano
que vem. A expectativa é que
em três anos ela esteja recheada com 1,5 milhão de amostras
dos mais importantes grãos
agriculturáveis do mundo.
A construção entrou em sua
fase final na semana passada,
quando as três câmaras que vão
abrigar as sementes começaram a ser resfriadas. Pelos próximos dois meses, a temperatura interna será reduzida dos habituais -5C para -18C. O arquipélago acabou de entrar na
chamada "noite polar", quando
a escuridão é permanente, 24
horas por dia.
Segundo Fowler, inicialmente o banco centrará os esforços
em sementes que são importantes para a produção alimentícia e para a agricultura sustentável, mas como tem capacidade para abrigar até 4,5 milhões de amostras, ele eventualmente poderá armazenar
qualquer variedade existente.
Nesta temperatura, sementes de trigo e arroz podem sobreviver mais de mil anos. Mas
a idéia não é mantê-las lá para
sempre. "Não dependeremos
dessa longa sobrevivência porque não vamos colocar essas sementes na arca, trancar e sair
andando. Svalbard será permanentemente reposta com
amostras mais frescas, até porque freqüentemente elas terão
de ser retiradas para repôr os
bancos de origem. Eventualmente, no entanto, teremos
amostras ali que não existirão
em mais nenhum lugar", diz.
A arca foi idealizada pelo governo da Noruega, mas conta
com o apoio de bancos públicos
e privados de todo mundo,
além da FAO (Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação). O Cenargen (Centro Nacional de Recursos Genéticos da Embrapa)
também foi convidado, mas o
Brasil ainda está avaliando como será essa participação.
Imune ao aquecimento
A idéia de usar o arquipélago
gelado para preservar as sementes do mundo tem uma explicação social e outra climática. Por ser um lugar remoto, em
um país pacífico, afastam-se as
chances de um bombardeio ou
algo do gênero. "Qualquer problema que poderia afetar um
prédio normal hoje pode afetar
os bancos de sementes existentes. Para fugir dessas condições
é importante escolher um lugar
remoto, longe dos problemas
do mundo." Além disso o local
está numa área onde não ocorrem terremotos e furacões, e,
acima de tudo, é realmente frio.
"É o melhor freezer do mundo", brinca Fowler. "Isso é importante porque uma das coisas que pode dar errado em um
banco de sementes é o equipamento falhar. Mas em Svalbard, mesmo se faltar energia, o
permafrost (solo congelado)
manterá a temperatura em no
máximo -3,5C, suficiente para
preservar as sementes por meses." Ele lembra que os países
nórdicos já trabalham com
bancos sem nenhum tipo de
equipamento elétrico e mesmo
assim as sementes duravam
por mais de 20 anos.
Mas e se o aquecimento global derreter o permafrost? Fowler diz que o pior cenário já foi
antecipado. "Nós estamos confiantes que daqui 200 anos a
área da arca ainda estará congelada. Sabemos que as mudanças climáticas são reais e que
vão afetar Svalbard, mas a arca
está localizada no local mais
frio dentro da montanha, então
imaginamos que lá ainda estará
mais frio do que no resto."
Só resta saber se em um cenário de completa destruição
haverá mesmo como alguém
chegar no pólo Norte, descongelar as sementes, voltar para
terrenos cultiváveis e de fato
salvar o resto da humanidade.
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