São Paulo, sábado, 24 de novembro de 2007

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Nova "arca de Noé" vai guardar sementes

Banco gigantesco localizado no círculo Ártico vai proteger uma cópia de tudo o que o ser humano cultiva no mundo

Armazém no arquipélago norueguês de Svalbard tem capacidade para armazenar até 4,5 milhões de amostras de sementes agriculturáveis

GIOVANA GIRARDI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Se uma hecatombe nuclear destruir a vida na Terra no futuro ou um asteróide se chocar com o planeta e levantar uma nuvem de poeira que vai tampar o Sol e impedir o crescimento de plantas -ou ainda o pior cenário de aquecimento global se concretizar e matar boa parte da diversidade da Terra-, mesmo assim as pessoas que sobreviverem terão a chance de recomeçar.
Pelo menos essa é a intenção por trás de um projeto gigantesco de armazenamento de sementes que está sendo construído no remoto arquipélago norueguês de Svalbard, localizado no círculo Ártico. Em uma versão moderna da Arca de Noé -que, diz a lenda, salvou do dilúvio um casal de cada espécie de animal-, a nova arca pretende preservar sementes de todos os tipos de culturas agrícolas. Se tudo o mais der errado e faltar comida no mundo, os humanos remanescentes poderão reiniciar suas plantações.
Tragédias à parte -e apesar de já ter recebido o apelido de arca do fim do mundo-, o armazém de Svalbard já deve mostrar sua utilidade em situações bem mais corriqueiras. "Ele vai funcionar como uma espécie de seguro dos outros 1.400 bancos de semente existentes hoje no mundo, será um "backup" de todos eles", explica Cary Fowler, diretor da Global Crop Diversity Trust, empresa responsável pela parte científica e tecnológica do projeto.
"Se um banco perder uma de suas amostras -e, francamente, isso acontece o tempo todo, seja por acidente, mal gerenciamento, desastre natural ou guerra civil- ela não terá sumido completamente se este banco mantiver uma cópia em Svalbard", afirma.
"A verdade é que nem vamos precisar de asteróide batendo na Terra para esta arca ser útil, porque infelizmente os erros humanos acontecem, perdemos diversidade o tempo todo."

Um pouco mais frio
A arca norueguesa deve começar a receber amostras de sementes em fevereiro do ano que vem. A expectativa é que em três anos ela esteja recheada com 1,5 milhão de amostras dos mais importantes grãos agriculturáveis do mundo.
A construção entrou em sua fase final na semana passada, quando as três câmaras que vão abrigar as sementes começaram a ser resfriadas. Pelos próximos dois meses, a temperatura interna será reduzida dos habituais -5C para -18C. O arquipélago acabou de entrar na chamada "noite polar", quando a escuridão é permanente, 24 horas por dia.
Segundo Fowler, inicialmente o banco centrará os esforços em sementes que são importantes para a produção alimentícia e para a agricultura sustentável, mas como tem capacidade para abrigar até 4,5 milhões de amostras, ele eventualmente poderá armazenar qualquer variedade existente.
Nesta temperatura, sementes de trigo e arroz podem sobreviver mais de mil anos. Mas a idéia não é mantê-las lá para sempre. "Não dependeremos dessa longa sobrevivência porque não vamos colocar essas sementes na arca, trancar e sair andando. Svalbard será permanentemente reposta com amostras mais frescas, até porque freqüentemente elas terão de ser retiradas para repôr os bancos de origem. Eventualmente, no entanto, teremos amostras ali que não existirão em mais nenhum lugar", diz.
A arca foi idealizada pelo governo da Noruega, mas conta com o apoio de bancos públicos e privados de todo mundo, além da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação). O Cenargen (Centro Nacional de Recursos Genéticos da Embrapa) também foi convidado, mas o Brasil ainda está avaliando como será essa participação.

Imune ao aquecimento
A idéia de usar o arquipélago gelado para preservar as sementes do mundo tem uma explicação social e outra climática. Por ser um lugar remoto, em um país pacífico, afastam-se as chances de um bombardeio ou algo do gênero. "Qualquer problema que poderia afetar um prédio normal hoje pode afetar os bancos de sementes existentes. Para fugir dessas condições é importante escolher um lugar remoto, longe dos problemas do mundo." Além disso o local está numa área onde não ocorrem terremotos e furacões, e, acima de tudo, é realmente frio.
"É o melhor freezer do mundo", brinca Fowler. "Isso é importante porque uma das coisas que pode dar errado em um banco de sementes é o equipamento falhar. Mas em Svalbard, mesmo se faltar energia, o permafrost (solo congelado) manterá a temperatura em no máximo -3,5C, suficiente para preservar as sementes por meses." Ele lembra que os países nórdicos já trabalham com bancos sem nenhum tipo de equipamento elétrico e mesmo assim as sementes duravam por mais de 20 anos.
Mas e se o aquecimento global derreter o permafrost? Fowler diz que o pior cenário já foi antecipado. "Nós estamos confiantes que daqui 200 anos a área da arca ainda estará congelada. Sabemos que as mudanças climáticas são reais e que vão afetar Svalbard, mas a arca está localizada no local mais frio dentro da montanha, então imaginamos que lá ainda estará mais frio do que no resto."
Só resta saber se em um cenário de completa destruição haverá mesmo como alguém chegar no pólo Norte, descongelar as sementes, voltar para terrenos cultiváveis e de fato salvar o resto da humanidade.


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