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CIÊNCIA
Estudo mostra influência de hormônios idênticos ao de humanos no comportamento sexual de roedores
Química cerebral estimula monogamia
RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha
Cientistas nos EUA provaram
que dois hormônios que agem no
cérebro são responsáveis pelo
comportamento monogâmico de
uma espécie de roedores das pradarias norte-americanas.
É a primeira vez que se associa
claramente a química cerebral a
esse comportamento sexual, caracterizado pelo acasalamento de
um macho com uma só fêmea.
A pesquisa indica que algo parecido pode existir no ser humano,
pois homens e mulheres possuem
essas mesmas substâncias, a oxitocina e a vasopressina, embora
com funções diferentes.
Os roedores da espécie Microtus
ochrogaster são monogâmicos, assim como cerca de 3% das espécies
de mamíferos. Essa frequência é
maior na ordem dos primatas, que
inclui os chimpanzés, os gorilas e
o homem.
"O fator biológico, puramente
hormonal, pode predispor ao
comportamento", diz Luiz Eugênio Mello, professor de neurofisiologia da Unifesp (Universidade
Federal de São Paulo), comentando o estudo publicado na revista
norte-americana "Trends in Neuroscience".
"Mas mesmo outras espécies
têm outras influências no comportamento sexual, como as do
ambiente, o lado social", acrescenta Mello. Isto quer dizer que o
ser humano é sujeito a condicionantes culturais e de organização
social que também moldam seu
comportamento.
Mesmo que a monogamia estivesse programada nos genes, o
ambiente influenciaria o comportamento. Por exemplo, ela costuma ser ameaçada na sociedade humana em momentos como o Carnaval brasileiro.
Entre os menos sofisticados Microtus ochrogaster, o acasalamento inclui sexo quase que exclusivamente com um só parceiro e a participação do macho no cuidado
dos filhotes e na defesa agressiva
do ninho contra invasores.
Curiosamente, outros roedores
biologicamente parecidos, do
mesmo gênero, são promíscuos.
É o caso do Microtus montanus,
cuja sociedade não tem formação
de pares. Os machos não ligam para os filhotes, e as próprias fêmeas
os abandonam duas ou três semanas depois do parto.
Existem diferenças nos caminhos percorridos pelos dois hormônios nos cérebros de espécies
diferentes, segundo Thomas Insel,
Larry Young e Zuoxin Wang, da
Universidade Emory, de Atlanta,
autores do estudo.
O ponto de partida para o estudo
desses pesquisadores foi a constatação de que a produção desses
dois hormônios estava vinculada a
comportamentos ligados à reprodução.
No caso da fêmea humana, a
oxitocina promove a ejeção do leite nas glândulas mamárias. Estudos realizados em ratas e ovelhas
indicaram que esse hormônio facilita a aceitação pela fêmea dos filhotes.
Outros estudos, que foram feitos
com vários mamíferos, mostraram que durante o ato sexual
ocorre uma estimulação vagino-cervical que provoca a produção desse hormônio. No caso do
roedor da pradaria, essa estimulação serviria para criar vínculo entre os parceiros.
Essa produção é constante no
Microtus ochrogaster. O bichinho
faz em média de 15 a 30 copulações
em 24 horas.
Já o mesmo efeito no macho é
produzido pelo outro hormônio, a
vasopressina. O ser humano também tem esse hormônio, que, como diz o nome, atua no sistema
vascular, na constrição dos vasos
sanguíneos. Ou seja, seu papel sexual é muito indireto -o fato de
durante o ato sexual, ou na sua
busca, a pressão do sangue subir.
Os cientistas dizem em seu estudo que é possível alterar o comportamento sexual de animais ao
mexer na sua química cerebral. Isso seria possível, por exemplo, colocando-os em situações de estresse, que alteram a produção de
substâncias que agem no cérebro.
Roedores forçados sistematicamente a nadar antes de serem colocados com fêmeas acasalaram-se mais rapidamente que os
demais, que não haviam sido forçados.
Se fosse possível fazer o mesmo
com seres humanos, como já foi
descrito em livros de ficção científica como "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, sociedades
totalitárias do futuro poderiam
tentar a "cura" para comportamentos considerados nocivos
-seja a monogamia, seja a promiscuidade.
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