São Paulo, quarta, 25 de fevereiro de 1998

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CIÊNCIA
Estudo mostra influência de hormônios idênticos ao de humanos no comportamento sexual de roedores
Química cerebral estimula monogamia

RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

Cientistas nos EUA provaram que dois hormônios que agem no cérebro são responsáveis pelo comportamento monogâmico de uma espécie de roedores das pradarias norte-americanas.
É a primeira vez que se associa claramente a química cerebral a esse comportamento sexual, caracterizado pelo acasalamento de um macho com uma só fêmea.
A pesquisa indica que algo parecido pode existir no ser humano, pois homens e mulheres possuem essas mesmas substâncias, a oxitocina e a vasopressina, embora com funções diferentes.
Os roedores da espécie Microtus ochrogaster são monogâmicos, assim como cerca de 3% das espécies de mamíferos. Essa frequência é maior na ordem dos primatas, que inclui os chimpanzés, os gorilas e o homem.
"O fator biológico, puramente hormonal, pode predispor ao comportamento", diz Luiz Eugênio Mello, professor de neurofisiologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), comentando o estudo publicado na revista norte-americana "Trends in Neuroscience".
"Mas mesmo outras espécies têm outras influências no comportamento sexual, como as do ambiente, o lado social", acrescenta Mello. Isto quer dizer que o ser humano é sujeito a condicionantes culturais e de organização social que também moldam seu comportamento.
Mesmo que a monogamia estivesse programada nos genes, o ambiente influenciaria o comportamento. Por exemplo, ela costuma ser ameaçada na sociedade humana em momentos como o Carnaval brasileiro.
Entre os menos sofisticados Microtus ochrogaster, o acasalamento inclui sexo quase que exclusivamente com um só parceiro e a participação do macho no cuidado dos filhotes e na defesa agressiva do ninho contra invasores.
Curiosamente, outros roedores biologicamente parecidos, do mesmo gênero, são promíscuos.
É o caso do Microtus montanus, cuja sociedade não tem formação de pares. Os machos não ligam para os filhotes, e as próprias fêmeas os abandonam duas ou três semanas depois do parto.
Existem diferenças nos caminhos percorridos pelos dois hormônios nos cérebros de espécies diferentes, segundo Thomas Insel, Larry Young e Zuoxin Wang, da Universidade Emory, de Atlanta, autores do estudo.
O ponto de partida para o estudo desses pesquisadores foi a constatação de que a produção desses dois hormônios estava vinculada a comportamentos ligados à reprodução.
No caso da fêmea humana, a oxitocina promove a ejeção do leite nas glândulas mamárias. Estudos realizados em ratas e ovelhas indicaram que esse hormônio facilita a aceitação pela fêmea dos filhotes.
Outros estudos, que foram feitos com vários mamíferos, mostraram que durante o ato sexual ocorre uma estimulação vagino-cervical que provoca a produção desse hormônio. No caso do roedor da pradaria, essa estimulação serviria para criar vínculo entre os parceiros.
Essa produção é constante no Microtus ochrogaster. O bichinho faz em média de 15 a 30 copulações em 24 horas.
Já o mesmo efeito no macho é produzido pelo outro hormônio, a vasopressina. O ser humano também tem esse hormônio, que, como diz o nome, atua no sistema vascular, na constrição dos vasos sanguíneos. Ou seja, seu papel sexual é muito indireto -o fato de durante o ato sexual, ou na sua busca, a pressão do sangue subir.
Os cientistas dizem em seu estudo que é possível alterar o comportamento sexual de animais ao mexer na sua química cerebral. Isso seria possível, por exemplo, colocando-os em situações de estresse, que alteram a produção de substâncias que agem no cérebro.
Roedores forçados sistematicamente a nadar antes de serem colocados com fêmeas acasalaram-se mais rapidamente que os demais, que não haviam sido forçados.
Se fosse possível fazer o mesmo com seres humanos, como já foi descrito em livros de ficção científica como "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, sociedades totalitárias do futuro poderiam tentar a "cura" para comportamentos considerados nocivos -seja a monogamia, seja a promiscuidade.



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