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NEUROCIÊNCIA
Pesquisa de brasileiro nos EUA indica que experiência e expectativa influenciam processamento de sinal sensorial
Estudo põe módulos cerebrais em dúvida
MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA
Miguel Nicolelis, 43, neurocientista brasileiro que anda fazendo e
acontecendo na Universidade
Duke (EUA), aprontou mais uma.
A partir de um experimento engenhoso com ratos, diz agora que
está errado o modelo vigente há
quatro décadas segundo o qual o
cérebro está dividido em módulos
e áreas definidas pela reunião de
colunas de células nervosas (neurônios) especializadas.
"Estamos dando uma chacoalhada no dogma central da neurofisiologia cortical, que tem mais
ou menos uns 45 anos e já rendeu
dois Prêmios Nobel", diz o pesquisador. Ele chamou a atenção,
nos últimos anos, com uma série
de experimentos com "macacos-ciborgues". Implantando centenas de microeletrodos no cérebro
desses animais, demonstrou que
eles podiam mover braços robóticos só por meio de pensamentos.
O mesmo tipo de microeletrodo
foi usado com os ratos. Foram 317
implantes em profundidades diversas das seis camadas do córtex
cerebral. É nessa "casca" do cérebro que ocorre o processamento
nobre de informações.
De acordo com a visão tradicional, os sinais provenientes da periferia do corpo -ou seja, dos
sentidos- estimulavam colunas
específicas de neurônios, com o
sinal sensorial atravessando todas
as camadas de forma homogênea.
Um determinado número de colunas constituiria a área cerebral
dedicada especificamente ao processamento de um tipo de estímulo (visual, por exemplo), ou o
que Nicolelis chama de módulos.
O experimento de seu grupo na
Duke comparou o padrão de disparo (transmissão de sinal) de
neurônios do roedor em situações
diversas de estimulação de suas
vibrissas ("bigodes", que nos ratos é um dos mais importantes órgãos sensoriais). Mostrou que são
muito diferentes, dependendo de
as vibrissas serem estimuladas
passiva ou ativamente.
Quando o animal está explorando o ambiente (sua tarefa era estimar o tamanho de uma abertura
usando esses pêlos sensíveis), o
processamento do sinal tátil ocorre de cima para baixo, e não de
baixo para cima. Pelo modelo vigente, as colunas deveriam funcionar no sentido inverso.
Em outras palavras: o caráter intencional da ação (o "plano motor", como diz Nicolelis), assim
como a experiência anterior, afetam o modo como o animal sente
o estímulo, já influenciam o que
ele vai sentir.
"O módulo vai desaparecer",
diz o neurocientista brasileiro. Na
sua opinião, o modelo localizado
de processamento de sinais sensoriais vai ser substituído pelo de
processamento distribuído.
Segundo neurocientista Cláudio Guimarães dos Santos, 44, da
Unifesp (Universidade Federal de
São Paulo), o experimento vem
confirmar o que a psicologia cognitiva já diz há tempos. "O modelo "bottom-up" [de baixo para cima] já está em crise há 20 anos."
O trabalho de Nicolelis sai hoje
no periódico americano "Science" (www.sciencemag.org) e pegou o próprio Nicolelis de surpresa. Ele havia sido notificado pelos
editores de que o artigo seria publicado somente dentro de um
mês. Apesar do caráter revolucionário que o pesquisador lhe atribui, não vem acompanhado de
um artigo de comentário, como é
comum. "Não sei por que não
tem um "News & Views" [comentário]", diz Nicolelis. "O editor sabe da relevância do trabalho."
Nicolelis estava ontem em Brasília, cuidando de tirar do papel o
plano de construir um Instituto
de Neurociência em Natal (RN).
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