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+ Marcelo Gleiser
Quantas Terras?
Antes de mais nada, a presença de água parece ser fundamental
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Quando pensamos em vida extraterrestre, imaginamos logo
seres que, bem ou mal, se parecem conosco: cabeça, olhos, boca,
nariz, braços ou tentáculos, enfim,
formas humanóides, popularizadas
nos filmes de ficção científica.
Esse antropomorfismo dos ETs
pressupõe que, nos planetas deles,
existam também condições semelhantes às da Terra. O que, então, julgamos ser essencial para o desenvolvimento da vida?
Antes de mais nada, a presença de
água líquida parece ser fundamental.
Sem ela, fica difícil conceber como é
possível que as reações químicas que
caracterizam a vida, o metabolismo
que transforma alimentos em energia
e intenção em ação, possam ocorrer.
Reações em meios sólidos ou cristalinos são mais lentas e limitadas. Fora
isso, a água é um solvente universal,
extremamente eficiente. Nenhum outro conhecido se compara a ela.
Mais uma coisa: a água tem a maravilhosa propriedade de ser menos
densa em estado sólido do que no líquido. Isto é, gelo bóia. Caso não fosse
assim, a cada vez que chegasse o inverno, a superfície congelada dos oceanos
afundaria. Em alguns anos, os oceanos
estariam congelados por inteiro e a
temperatura do planeta seria muito
baixa. Ademais, com os oceanos congelados, fica difícil vislumbrar a vida
ou mesmo sua origem. Portanto, sem
água líquida, mesmo que pouca, mesmo que muito fria ou muito quente, a
vida não parece ser possível.
A pergunta óbvia é se existem outros planetas parecidos com a Terra,
ao menos com um pouco de água. Começando com o nosso Sistema Solar,
vemos que a coisa não é fácil. De todos
os planetas e luas (mais de 60 delas!),
apenas a Terra e Europa, uma lua de
Júpiter, têm água líquida em abundância. Marte tem um pouco, já teve
mais há bilhões de anos, mas agora é
essencialmente um deserto gelado.
Europa muito possivelmente tem
um oceano de água salgada sob uma
crosta de gelo de dois quilômetros de
espessura. Existem missões planejadas que irão até lá com brocas robóticas para extrair amostras dessa água.
Os outros planetas ou são muito
quentes ou simplesmente não têm
água -seja ela líquida, sólida ou gasosa. Não em quantidades apreciáveis.
E no resto da galáxia? O número de
estrelas na Via Láctea é cerca de 100
bilhões. Na última década, a astronomia respondeu a uma questão que havia séculos intrigava as pessoas: será que existem outros planetas girando
em torno de outras estrelas, feito a
Terra e seus companheiros que giram
em torno do Sol? Hoje sabemos que a
resposta é um estrondoso "sim!" Não
só existem "exoplanetas", como parece que a maioria absoluta das estrelas
tem planetas em órbita a sua volta.
Não podemos dar uma resposta exata,
mas estimar que, no mínimo, estrelas
em geral têm de um a cinco planetas a
sua volta, fora incontáveis luas. Mesmo essa estimativa sendo pessimista,
um planeta por estrela, nos dá em torno de 100 bilhões de planetas na nossa
galáxia.
E, desses planetas, quantos são como a Terra? Difícil dizer. Mas, no ano
que vem, a missão Kepler, da Nasa, vai
tentar estimar a fração de planetas do
tipo terrestre: com órbitas que permitam a existência de água líquida e com
massa semelhante à da Terra. Mas vamos ser pessimistas e dizer que apenas 1 em 1 bilhão de planetas é parecido com a Terra. Só na nossa galáxia seriam umas cem Terras. Considerando
que existem outras 100 bilhões de galáxias pelo Universo afora, cada uma
com suas 100 bilhões de estrelas (em
média), são 10 trilhões de Terras no
Universo. Seria muito estranho que a
vida tivesse surgido só aqui. Nesse
meio tempo, porém, nos resta apenas
aguardar.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo" r
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