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ARQUEOLOGIA
Experimento conclui que animal pode perturbar datações deslocando objetos até 0,5 m em poucas semanas
Buraco de tatu põe sítio de pernas para o ar
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
Um espectro ronda a arqueologia: o tatu. Também ele um escavador, o animal pode bagunçar sítios inteiros, misturando objetos
de idades diferentes entre várias
camadas de solo, confundindo
suas datações (que se pautam pela
regra geral de que um objeto é
tanto mais antigo quanto mais
profundo ele estiver enterrado).
Uma dupla de brasileiros acaba
de tapar esse buraco.
Embora os cientistas já tivessem
noção do problema, o real poder
de estrago dos tatus até agora não
tinha sido objeto de escrutínio
científico. Num curioso experimento de laboratório -coisa rara
em arqueologia, uma ciência que
costuma ser praticada em campo-, Astolfo Araújo, do Instituto
de Biociências da USP, e José Carlos Marcelino, do Departamento
do Patrimônio Histórico de São
Paulo, construíram um sítio arqueológico artificial e observaram
a ação de um tatu por 50 dias.
Os pesquisadores perceberam
que, ao cavar seus buracos, o animal deslocou artefatos para cima
e para baixo. Alguns deles acabaram indo parar até meio metro
abaixo de sua posição original.
A perturbação pode ser um problema para os arqueólogos, porque a distribuição dos vestígios
num sítio acontece em camadas:
objetos num mesmo nível costumam ter a mesma idade. Dependendo da taxa de acumulação de
sedimentos em diferentes tipos de
terreno, um deslocamento de
meio metro para cima ou para
baixo pode significar uma viagem
no tempo de 500 a 5.000 anos para
o objeto. E um erro de interpretação para o pesquisador.
"Ele pode ser enganado de várias maneiras. Pode dizer: "Encontrei uma ponta de flecha do tipo tal a tantos metros de profundidade" e sair alardeando isso como uma grande descoberta quando, na verdade, é o resultado de
perturbação no sítio", afirmou
Araújo à Folha.
Terra misteriosa
O pesquisador, que é formado
em geologia -uma ciência exata- e obcecado pela precisão em
arqueologia -uma ciência humana-, diz que começou a se
preocupar com esse tipo de enganação nos anos 90, quando participou de suas primeiras escavações. "Observei que alguns sítios
estavam enterrados, mesmo estando no topo de uma colina. Os
arqueólogos não sabiam explicar
de onde vinha a terra", disse.
Passou a estudar fenômenos de
bioturbação, ou perturbação de
sítios por animais, e se espantou
com a falta de informações sobre
a ação dos tatus.
No experimento, realizado há
seis anos e só publicado neste
mês, na revista científica "Geoarchaeology" (www.interscience.wiley.com/jpages/0883-6353/),
Araújo e Marcelino enterraram
milhares de pedras lascadas e cacos de cerâmica em quatro camadas bem definidas num cercado
de 5 m x 4 m no zoológico de São
Paulo. As peças de cada camada
foram pintadas de cores diferentes, para facilitar a identificação.
"Foi um trabalho insano", recorda-se o arqueólogo. "Passamos tardes inteiras esmerilhando
os gumes das lascas de pedra, porque o bicho podia se cortar."
Depois de preparado o "sítio",
um tatu-peba (Euphractus sexicintus) foi solto no cercado. O
animal é conhecido como tatu-de-cemitério, pela fama que lhe é
atribuída de escavar nesses locais
-mais uma razão para os arqueólogos desconfiarem dele.
Uma escavação no sítio artificial depois de 50 dias revelou o estrago feito pelo animal nas camadas de artefatos, que estavam
completamente reviradas. "Essa
maçaroca é o que você teria com
muito tempo passando e vários
tatus em ação", disse Araújo.
Outro bom indicador da ação
dos tatus é a rotação das peças.
Em vez de estarem todos deitados, como seria natural na formação de um sítio arqueológico, alguns cacos foram descobertos enterrados em pé. "Isso mostra que
alguma coisa aconteceu."
Premissa de Pompéia
"O trabalho é interessante, porque em climas tropicais a gente
trabalha com uma série de fatores
que afetam o sítio após a deposição. Esse trabalho dá parâmetros
para a gente", disse o arqueólogo
Eduardo Góes Neves, do Museu
de Arqueologia e Etnologia da
USP, que coordena um projeto de
escavações no Amazonas.
Ao mesmo tempo, Neves é cético quanto ao potencial de agentes
bioturbadores de destruir carreiras acadêmicas. "Um arqueólogo
experiente não se engana."
Neves diz que ele mesmo tem
sofrido com algo que pode ser
uma perturbação nos sítios que
estuda, mas que provavelmente
foi causada por seres microscópicos. "A gente encontra amostras
de carvão com datações diferentes no mesmo nível."
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