São Paulo, terça-feira, 26 de setembro de 2000

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BIOLOGIA ESTRUTURAL
Estudo propõe uso de proteínas que formam "correntes moleculares", ou catenanos, em nanotecnologia
Vírus usa "armadura" para proteger DNA

LUCIANO GRÜDTNER BURATTO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Os bacteriófagos, vírus que atacam bactérias, sempre chamaram a atenção por sua armadura. O que não se sabia era que essa analogia medieval se sustenta também do ponto de vista molecular: cientistas descobriram que o bacteriófago HK97 se protege com redes de proteínas, formando "correntes moleculares" que lembram malhas de ferro medievais.
Essas estruturas em forma de corrente são chamadas, sintomaticamente, de catenanos. Somente dois tipos de catenano haviam sido identificados até agora: os de DNA, em que cada fita simples circular forma um elo na corrente, e os sintéticos.
O novo tipo, descrito na última edição da revista "Science" (www.sciencemag.org), mostra que o capsídeo (capa de proteínas que envolve o DNA do vírus) usa catenanos na sua constituição.
"É a primeira vez que esse tipo de organização é observado em proteínas", diz William Wikoff, do Instituto de Pesquisas Scripps (EUA), autor principal do estudo.
Segundo Wikoff, essa estrutura abre novas perspectivas para o estudo de associações de proteínas. "Os catenanos fazem com que o capsídeo seja muito estável e, ao mesmo tempo, muito fino."
A estabilidade resulta de uma combinação de dois fatores. O primeiro é o arranjo espacial das proteínas gp5, que compõem o capsídeo. Elas se associam em grupos de cinco (pentâmeros) ou seis (hexâmeros), em formatos de pentágonos e hexágonos.
O segundo fator são as ligações covalentes (fortes) entre os grupos (hexâmeros ligados entre si, ou ligados a um pentâmero).
O capsídeo, apesar de resistente, é fino. Suas paredes têm apenas 18 ângstrons (décimo de bilionésimo de metro). O interior, contudo, tem um diâmetro de 541 ângstrons. Dá para guardar muita coisa nesse invólucro molecular.

Nanotecnologia
"Seria possível armazenar drogas no capsídeo, como se ele fosse um contêiner. Para inserir um fármaco, poderíamos acoplar uma molécula sensível à luz, de forma a abrir ou fechar o contêiner, conforme a necessidade", afirma Henrique Toma, professor do Instituto de Química da USP.
Os químicos vêm tentando sintetizar catenanos há tempos. A descoberta da arquitetura do vírus abre uma nova via para a nanotecnologia: "Acreditava-se que os catenanos fossem puro capricho da natureza. Agora, estamos vendo que eles também têm importância biológica", diz Toma.


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