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Periscópio
Toxinas das cianobactérias
José Reis
especial para a Folha
As cianobactérias, antes classificadas
como algas azul-verdes, figuram entre os mais antigos seres da Terra, com
cerca de 3,5 bilhões de anos. São vegetais
aquáticos unicelulares, vivendo dispersas ou em aglomerados, isoladas ou em
filamentos formados pela reunião das
células ponta a ponta, como colares. O
material genético fica solto no citoplasma, não formando núcleo envolto por
membrana. Espécies que formam cadeia
geralmente são fixadoras do nitrogênio
do ar, constituindo excelentes adubos.
Quando no mar, sobem e descem alternadamente, podendo as que ficam na superfície ser levadas pelo vento ou por outros fatores até as praias. Em certas condições, proliferam muito e chegam a formar maciços em lagoas, tanques e reservatórios. São ainda fotossintéticas -os
primeiros seres vivos com essa faculdade-, o que significa que têm o poder de
decompor gás carbônico e liberar oxigênio, captando a energia solar e transformando-a em química.
Em 1878, George Francis, de Adelaide,
Austrália, demonstrou que as cianobactérias produzem toxinas que, quando ingeridas em grande quantidade, provocam doenças e até a morte em animais. A
partir de então se descreveram muitas
outras espécies tóxicas e ganhou grandes
atrativos o estudo dessas toxinas. Sobre
elas Wayne Carmichael escreveu artigo
em "Scientific American" (270, 1, 64).
Com o enriquecimento crescente dos
esgotos em matérias nitrogenadas e fosforadas, cresce a probabilidade de proliferação das cianobactérias nos reservatórios municipais, com a possibilidade de
contaminação do homem. Até hoje não
se registrou um só caso de acidente desse
tipo. Não obstante, a ação de algumas toxinas tem sido sugerida como causa de
algumas doenças, inclusive o câncer.
As toxinas até hoje estudadas são de
dois grupos -neurotoxinas e hepatotoxinas. Quatro neurotoxinas foram estudadas minuciosamente: anatoxina-a,
anatoxina-a(s), saxitoxina e neosaxitoxina. A mais pesquisada é a primeira, que
imita a ação da acetilcolina, neurotransmissor importante na fisiologia nervosa.
Ela transmite aos neurônios ou a fibras
musculares estímulos de contração, que
são interrompidos pela enzima acetilcolinesterase. Sem a interferência dessa enzima, a contração seria contínua e poderia provocar paralisia e morte.
A anatoxina-a difere da acetilcolina
por não ser degradável pela esterase. Por
isso causa convulsões, paralisias e morte.
Não se conhece ainda antídoto para ela.
Por outro lado, a resistência à colinesterase faz da anatoxina-a excelente instrumento de laboratório em neurofisiologia
para provocar ação prolongada da acetilcolina. Acredita um cientista que algum
derivado da anatoxina-a possa vir a servir para tratar o mal de Alzheimer, em
que há deficiência da acetilcolina.
A anatoxina-a(s) tem ação semelhante
à dos compostos sintéticos organofosforados, usados como inseticidas, agindo
como inibidor da acetilcolinesterase.
As hepatotoxinas têm complexo meio
de agir, encolhendo as células do fígado e
lesando os capilares, que enchem de sangue os espaços vazios. O mecanismo pelo qual a toxina prejudica as células do fígado depende muito de sua ação sobre a
formação do esqueleto celular. Por poder inibir certos sistemas enzimáticos, há
a possibilidade de que, ingerida em doses
não-letais porém repetidamente, ela
possa contribuir para a promoção do
câncer, o que parece confirmado por experiências feitas com cianobactérias.
Grande alarde publicitário se tem feito
em todo o mundo em torno de produtos
dietéticos produzidos a partir de cianobactérias, algumas de cujas espécies são
muito ricas de boa proteína. Carmichael
adverte, porém, quanto à falta de regulamentação do uso desses produtos e a
possibilidade de confusão dos inócuos
com os venenosos, que eventualmente
venham a ser fabricados.
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