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Brasília ignora a realidade, diz funcionário do Ibama
Chefe de órgão em Alta Floresta afirma que não tem como fazer a fiscalização
Segundo Cláudio Cazal, fazendeiros e madeireiros da região não temem multas e embargos porque sabem da falta de estrutura
RODRIGO VARGAS
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ALTA FLORESTA
As medidas emergenciais
adotadas pelo governo federal
para conter o desmatamento
na Amazônia são inócuas e
muito distantes da realidade
enfrentada pelos servidores
que respondem pela fiscalização nas áreas mais críticas. A
opinião é do chefe-substituto
do escritório do Ibama em Alta
Floresta (830 km de Cuiabá,
MT), Cláudio Cazal, 29.
"Esse anúncio só mostrou o
quanto Brasília desconhece a
realidade da Amazônia. É uma
espécie de autismo", afirmou.
Na última quarta-feira, o Ministério do Meio Ambiente
anunciou que uma área superior a 3.000 quilômetros quadrados de floresta na Amazônia
havia sido derrubada nos últimos cinco meses de 2007.
O anúncio levou o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva a convocar uma reunião de emergência com seis ministros para
tratar do assunto. Após a reunião, o governo federal anunciou a suspensão de autorizações para desmatamento em 36
municípios da Amazônia Legal.
Os municípios -6% do total
existentes na Amazônia- foram responsáveis por metade
do abate de árvores na região.
"De que adianta bloquear autorizações de desmate em uma
região em que a maior parte das
derrubadas são feitas sem autorização? Embargo de propriedades já fazemos há muito tempo. O que não temos é estrutura
para retornar às áreas para verificar se o embargo está sendo
cumprido", disse Cazal.
O escritório do Ibama de Alta
Floresta é responsável pela fiscalização de crimes ambientais
em 13 municípios da região
norte de Mato Grosso, que somam 92 mil km2.
"É uma área superior ao território dos Estados do Rio de
Janeiro [43,7 mil km2] e do Espírito Santo [46 km2] juntos.
Teríamos que ter ao menos 50
servidores para dar retorno a
essas medidas de emergência,
mas temos só três. E, atualmente, nenhum carro."
Segundo Cazal, os quatro
veículos colocados à disposição
do escritório estão quebrados.
O desmatamento flagrado
pela Folha anteontem, quando
a reportagem fez um sobrevôo
de monomotor por Alta Floresta e Paranaíta, terá de esperar o
tempo da manutenção para ser
impedido, segundo Cazal.
"Se precisássemos sair agora,
não teríamos condição. Essa é a
realidade", afirmou ele, que está há três anos no Ibama de Alta Floresta e seis meses na função de chefe-substituto.
Tropa de elite
O Ibama, na opinião de Cazal,
atua de forma precária nas regiões críticas e tem excesso de
servidores, verbas e estrutura
em Brasília e nos escritórios
das capitais. "Quem ouve falar
do Ibama logo imagina um Bope [Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro, que
inspirou o filme "Tropa de Elite'], mas isso é uma ilusão. Os
servidores e os recursos estão
concentrados onde o problema
não existe", afirmou.
Recentemente, conta Cazal,
um carro do Ibama teve um
problema mecânico durante
uma operação. O local era isolado. Para buscar ajuda, segundo
ele, a equipe teve de seguir de
carona com caminhões de madeireiras ilegais.
"É algo inacreditável. É como
se a Polícia Federal pedisse ajuda aos traficantes para empurrar um carro", disse Cazal.
Os fazendeiros e madeireiros
da região não temem multas e
embargos, segundo Cazal, porque contam com a falta de estrutura da fiscalização. "A multa eles protelam e não pagam. O
embargo, não respeitam. Eles
só temem a perda de bens e
também a cadeia. Mas isso
nunca acontece".
Para os servidores, a falta de
incentivos para permanecer
nas áreas críticas e a ineficácia
da estrutura montada para o
controle são motivo de descontentamento e frustração.
"Eu sou biólogo, estudei 15
anos para isso, passei em um
concurso difícil. Tudo para vir
para esse lugar e ver a floresta
ser trocada por camionetes. Temos muito dentro do que é possível, mas a situação está longe
de estar sob controle."
O Estado recordista de desmatamento nos últimos cinco
meses de 2007, de acordo com
o Deter, o sistema de detecção
de desmatamento em tempo
real do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), foi
Mato Grosso, onde a derrubada
da floresta aumentou 53,7% no
período -área de 1.786 quilômetros quadrados.
Pará (591 quilômetros quadrados) e Rondônia (533) eram
os outros dois Estados da lista
do Inpe com os maiores índices
de desmatamento do país.
Colaborou MATHEUS PICHONELLI, da Agência
Folha
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