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+ Marcelo Gleiser
O drama da descoberta
A natureza
nem sempre corresponde aos nossos anseios
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A ciência muitas vezes é considerada uma atividade sem emoções, destituída de drama, fria
e racional. Na verdade, ela é justamente o oposto disso.
A premissa da ciência é a nossa ignorância, nossa vulnerabilidade em
relação ao desconhecido, ao que não
sabemos. Existe sempre uma sensação de insegurança, de não termos
certeza de estar indo na direção certa.
Nos casos mais comuns, quando experimentos revelam novos aspectos da
natureza que não haviam nem sequer
sido conjecturados, a enorme surpresa, a sensação de tatearmos no escuro,
pode levar ao desespero. Nenhum
exemplo na história da ciência é mais
revelador desse drama do que o nascimento da física quântica, a físca que
descreve o comportamento dos átomos e das partículas subatômicas -e
que essencialmente está por trás de
toda a revolução digital que rege a sociedade moderna.
Ao final do século 19, a física estava
com muito prestígio. A mecânica de
Newton, a teoria eletromagnética de
Faraday e Maxwell, a compreensão
dos fenômenos térmicos, tudo levava
a crer que a ciência estava perto de
chegar ao seu objetivo final, a compreensão de toda a natureza. Ao menos assim pensavam vários físicos.
Grande engano. Para a surpresa de
muitos, experimentos revelaram fenômenos que não podiam ser explicados pelas teorias da chamada era clássica. Não se entendia por que corpos
aquecidos acima de certas temperaturas brilhavam com aquela luz avermelhada que vemos nas brasas de uma
boa fogueira. Não se entendia por que
a luz violeta podia carregar eletricamente uma placa metálica neutra, enquanto a luz amarela nada fazia.
Não se sabia se átomos eram ou não entidades reais, já que a física clássica previa que seriam instáveis, com os elétrons espiralando em direção ao núcleo. Gradualmente, ficou claro que
uma nova física era necessária para lidar com o mundo do muito pequeno.
A questão era o quanto essa física seria diferente. Ninguém queria mudanças muito radicais. Ou quase ninguém.
A primeira idéia da nova era veio de
Max Planck, que, em 1900, propôs que
átomos recebem e emitem energia em
pequenos pacotes, que chamou de
"quanta". Antes disso, qualquer sistema emitia e recebia energia continuamente, como quando aquecemos um
bule d'água. Eis como Planck descreveu seu estado emocional ao propor a
idéia do quantum: "Resumidamente,
posso descrever minha atitude como
um ato de desespero, já que por natureza sou uma pessoa pacífica e contrária a aventuras irresponsáveis.
Quaisquer que fossem as circunstâncias,
qualquer que fosse o preço a ser pago,
eu tinha de obter um resultado positivo". O uso da palavra "desespero" é revelador. Planck viu-se forçado a propor algo de fundamentalmente novo,
que ia contra tudo o que havia aprendido até então e que acreditava ser
correto sobre a natureza. Abandonar
o velho e propor o novo requer muita
coragem intelectual. Planck o fez pois
sabia que a física tinha como missão
explicar o mundo natural, mesmo que
a explicação contrariasse seus preconceitos. Os experimentos não deixavam dúvida de que algo de novo era
necessário. Planck, um modelo da integridade de um cientista, sabia que
seu compromisso com a natureza era
o único que importava.
Como esse, existem muitos outros
exemplos de cientistas que, deparados
com resultados misteriosos e surpreendentes, lutam para propor e
aceitar idéias que vão de encontro ao
que acreditam ser correto. Talvez essa
seja a lição mais importante da ciência, que a natureza nem sempre corresponde aos nossos anseios e que
precisamos encará-la com a humildade de quem sabe muito pouco.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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