São Paulo, sábado, 27 de março de 2004

Próximo Texto | Índice

EFEITO ESTUFA

Pesquisa dos EUA rebate o consenso de que causa estava na dilatação de oceanos pelo aquecimento global

Degelo é o principal fator na elevação das águas do mar

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Cientistas concluíram algo que muita gente já pensava, mas que pesquisadores consideravam um erro conceitual: é principalmente o derretimento de massas de gelo que está fazendo subir o nível global dos oceanos, como produto do aquecimento global.
O trabalho foi realizado por Laury Miller, do Laboratório para Altimetria de Satélite da Noaa (Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera, na sigla em inglês), e Bruce Douglas, da Universidade Internacional da Flórida, ambos dos EUA. Está na última edição da revista britânica "Nature" (www.nature.com)
Desde 1995 o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, na sigla em inglês) já estimava que o aumento do nível dos oceanos estivesse na média de 1,5 a 2 milímetros por ano. O consenso era que a principal razão do aumento estava no aquecimento e na dilatação do oceano.
Sabe-se que existe uma relação física direta entre volume e temperatura -quanto mais quente está um líquido, mais espaço ele ocupa. Os cientistas imaginavam que fosse o aumento da temperatura da água o principal elemento responsável pela elevação do nível dos mares no século 20.
Segundo as estimativas iniciais, o derretimento das calotas polares, com o aumento da quantidade de água no oceano, ao contrário do que ditava o senso comum, respondia por um efeito menor.

Informações conflitantes
Em 2001, conforme os dados sobre a temperatura dos oceanos ficavam mais claros, a coisa se tornou mais confusa. De acordo com as novas contas, o aquecimento das massas de água respondia por um aumento de nível de apenas 0,5 milímetro por ano.
Daí derivaram duas hipóteses. Ou os dados que indicavam um aumento de 2 mm/ano -obtidos por altímetros de precisão em satélites colocados em órbita- estavam errados, ou a partilha entre derretimento de gelo e aquecimento da água fora mal calculada.
Para resolver a disputa, entra em cena agora a nova pesquisa feita por Miller e Douglas. Com base na reavaliação de certos dados coletados em regiões específicas dos oceanos Atlântico e Pacífico, a dupla comprovou: o senso comum estava certo, e a culpa é mesmo das calotas polares.
Os dados altimétricos de 2 mm/ano estão corretos, assim como a estimativa de que aquecimento e dilatação do oceano fazem elevar o nível dos mares em 0,5 mm/ano. Era a contribuição do degelo (da terra para os oceanos) que estava subestimada.
"Nossa análise apóia estudos anteriores que colocavam a taxa do século 20 na faixa de 1,5-2 mm/ano, mas, mais importante, sugere que o aumento de massa tem um papel maior do que o aquecimento dos oceanos no aumento global do nível do mar", afirmam os autores na "Nature". "Os resultados oferecem evidência clara de que alterações no volume do oceano por temperatura e salinidade respondem por apenas uma fração das mudanças."
A pesquisa foi bem recebida pela comunidade científica. "Se não pode ser considerado um resultado revolucionário, é, de todo modo, muito interessante", diz Carlos Nobre, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e membro do IPCC.


Próximo Texto: Colheita marciana
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.