São Paulo, segunda-feira, 27 de maio de 2002

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BIOTECNOLOGIA

Falhas em reprogramação do cromossomo X estão ligadas à morte de clones e mostram limites de técnica

Estudo explica erros em clonagem bovina

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O sonho de tornar a clonagem algo rotineiro acaba de levar mais uma ducha gelada. Desta vez, um grupo de pesquisadores mostrou que as células de vacas adultas, cujos núcleos eram a matéria-prima para o processo, raramente conseguem reprogramar seu cromossomo X (a unidade do DNA que, quando herdada de ambos os pais, determina as características femininas) para uma gestação e um nascimento saudáveis.
O estudo, publicado on-line ontem pela revista científica "Nature Genetics" (genetics.nature.com), mostra que ainda se sabe muito pouco sobre o complicado processo de transformar o núcleo de uma célula adulta num embrião. E incomoda quem insiste na segurança da clonagem reprodutiva.
A premissa investigada pelo grupo de pesquisadores, que inclui a brasileira Lygia da Veiga Pereira, da USP, refere-se ao chamado "imprinting", ou marcação epigenética -um sistema ainda pouco compreendido que o organismo usa para ativar e desativar determinados genes de acordo com as necessidades.
No caso, a idéia era dar uma olhada no que acontecia com um conjunto de dez genes do cromossomo X durante a clonagem. Nos mamíferos, uma dupla XX na célula determina que o embrião será uma fêmea, enquanto a reunião de um cromossomo X com um Y produz um macho.
Na reprodução normal, a placenta (bolsa que envolve e nutre a maior parte dos fetos de mamíferos) só tem o cromossomo X materno ativo, isto é, servindo como "receita" para o funcionamento das células. No corpo do filhote, tanto a cópia paterna quanto a materna podem estar ativas.
Estudando quatro clones bovinos que sobreviveram e outros seis que morreram logo depois de nascer ou não chegaram ao nascimento, o grupo notou que os clones mortos tinham um padrão epigenético totalmente aberrante: na placenta, era o cromossomo X paterno que funcionava, enquanto as células do animal tinham genes silenciados que, nos clones viáveis e em novilhas concebidas normalmente, estavam ativos.
"Na verdade, o cromossomo X é apenas um marcador", disse à Folha Cindy Tian, da Universidade de Connecticut (EUA), co-autora do trabalho. "Achamos que outros cromossomos também revelariam problemas como esses".
"Existe uma sintonia muito fina de genes ligados e desligados. As mortes dos bezerros mostram que essas marcas não estão sendo apagadas corretamente, o que torna o processo ineficiente", afirma Pereira. "O nosso trabalho demonstra formalmente a dificuldade dessa técnica", ressalta.
Tian diz que os dados do estudo devem aumentar a compreensão do problema, em especial para a chamada clonagem terapêutica (que visa a gerar tecidos para reposição com a mesma carga genética do paciente, sem risco de rejeição). "Células com esses problemas também serão inviáveis para esse tipo de clonagem", afirma a americana. "Por isso, o nosso trabalho é como se déssemos um passo para a trás -mas para poder avançar mais tarde".
O americano Robert Lanza, diretor médico da empresa Advanced Cell Technology, que em 2001 publicou um trabalho dizendo que clones bovinos podem ser normais, disse à agência de notícias "Associated Press" que o novo estudo é "sólido".

Risco reprodutivo
Uma possível boa notícia da pesquisa foi mostrar que um tipo específico de célula, que costuma circundar os óvulos, se mostrou mais propício à pesada reprogramação genética da clonagem. "Achamos que isso acontece porque elas são menos diferenciadas [menos adaptadas a uma função fixa]", diz Pereira.
Mas a pesquisadora da USP diz que os dados mostram que a recusa à clonagem reprodutiva de seres humanos é acertada. "Não gosto de dizer impossível, mas hoje em dia não consigo nem pensar em como atacar cada um desses problemas", afirma. "Ainda dependemos de um sistema de tentativa e erro". E isso, em humanos, é impensável.


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