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BIOTECNOLOGIA
Falhas em reprogramação do cromossomo X estão ligadas à morte de clones e mostram limites de técnica
Estudo explica erros em clonagem bovina
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O sonho de tornar a clonagem
algo rotineiro acaba de levar mais
uma ducha gelada. Desta vez, um
grupo de pesquisadores mostrou
que as células de vacas adultas,
cujos núcleos eram a matéria-prima para o processo, raramente
conseguem reprogramar seu cromossomo X (a unidade do DNA
que, quando herdada de ambos
os pais, determina as características femininas) para uma gestação
e um nascimento saudáveis.
O estudo, publicado on-line ontem pela revista científica "Nature
Genetics" (genetics.nature.com),
mostra que ainda se sabe muito
pouco sobre o complicado processo de transformar o núcleo de
uma célula adulta num embrião.
E incomoda quem insiste na segurança da clonagem reprodutiva.
A premissa investigada pelo
grupo de pesquisadores, que inclui a brasileira Lygia da Veiga Pereira, da USP, refere-se ao chamado "imprinting", ou marcação
epigenética -um sistema ainda
pouco compreendido que o organismo usa para ativar e desativar
determinados genes de acordo
com as necessidades.
No caso, a idéia era dar uma
olhada no que acontecia com um
conjunto de dez genes do cromossomo X durante a clonagem. Nos
mamíferos, uma dupla XX na célula determina que o embrião será
uma fêmea, enquanto a reunião
de um cromossomo X com um Y
produz um macho.
Na reprodução normal, a placenta (bolsa que envolve e nutre a
maior parte dos fetos de mamíferos) só tem o cromossomo X materno ativo, isto é, servindo como
"receita" para o funcionamento
das células. No corpo do filhote,
tanto a cópia paterna quanto a
materna podem estar ativas.
Estudando quatro clones bovinos que sobreviveram e outros
seis que morreram logo depois de
nascer ou não chegaram ao nascimento, o grupo notou que os clones mortos tinham um padrão
epigenético totalmente aberrante:
na placenta, era o cromossomo X
paterno que funcionava, enquanto as células do animal tinham genes silenciados que, nos clones
viáveis e em novilhas concebidas
normalmente, estavam ativos.
"Na verdade, o cromossomo X é
apenas um marcador", disse à Folha Cindy Tian, da Universidade
de Connecticut (EUA), co-autora
do trabalho. "Achamos que outros cromossomos também revelariam problemas como esses".
"Existe uma sintonia muito fina
de genes ligados e desligados. As
mortes dos bezerros mostram
que essas marcas não estão sendo
apagadas corretamente, o que
torna o processo ineficiente", afirma Pereira. "O nosso trabalho demonstra formalmente a dificuldade dessa técnica", ressalta.
Tian diz que os dados do estudo
devem aumentar a compreensão
do problema, em especial para a
chamada clonagem terapêutica
(que visa a gerar tecidos para reposição com a mesma carga genética do paciente, sem risco de rejeição). "Células com esses problemas também serão inviáveis
para esse tipo de clonagem", afirma a americana. "Por isso, o nosso trabalho é como se déssemos
um passo para a trás -mas para
poder avançar mais tarde".
O americano Robert Lanza, diretor médico da empresa Advanced Cell Technology, que em 2001
publicou um trabalho dizendo
que clones bovinos podem ser
normais, disse à agência de notícias "Associated Press" que o novo estudo é "sólido".
Risco reprodutivo
Uma possível boa notícia da
pesquisa foi mostrar que um tipo
específico de célula, que costuma
circundar os óvulos, se mostrou
mais propício à pesada reprogramação genética da clonagem.
"Achamos que isso acontece porque elas são menos diferenciadas
[menos adaptadas a uma função
fixa]", diz Pereira.
Mas a pesquisadora da USP diz
que os dados mostram que a recusa à clonagem reprodutiva de seres humanos é acertada. "Não
gosto de dizer impossível, mas
hoje em dia não consigo nem
pensar em como atacar cada um
desses problemas", afirma. "Ainda dependemos de um sistema de
tentativa e erro". E isso, em humanos, é impensável.
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