|
Próximo Texto | Índice
Resina de árvore vira antiinflamatório
Óleo da copaíba, árvore comum na Amazônia e no Centro-Oeste, foi fracionado e aprisionado em cápsulas microscópicas
Testes em camundongos
sugerem que produto é duas
vezes mais potente que os
disponíveis no mercado;
uso humano ainda demora
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Milhões de anos de evolução
produziram, na resina de uma
árvore comum na Amazônia e
no Centro-Oeste, um medicamento antiinflamatório duas
vezes mais potente que alguns
dos mais populares do mercado
hoje. Uma equipe da USP de Ribeirão Preto está explorando
esse potencial, já sugerido pela
medicina popular, e desenvolveu uma maneira de administrar a parte ativa do óleo da
planta como remédio.
A árvore é a copaíba -ou melhor, o conjunto de árvores, já
que se tratam de várias espécies com parentesco próximo
entre si, do gênero Copaifera.
"Na verdade, nós usamos o extrato comercial, que vem de
mais de uma espécie", contou à
Folha a farmacêutica Mônica
Freiman de Souza Ramos, da
UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro).
Ela acaba de concluir seu
doutorado sobre o tema na Faculdade de Ciências Farmacêuticas USP de Ribeirão Preto,
sob orientação de Osvaldo de
Freitas. No projeto, além de
comprovar o papel antiinflamatório do óleo -a medicina
popular da região Norte também o usa como antisséptico e
cicatrizante-, ela caracterizou
quimicamente o produto e
criou uma forma de administrá-lo aos camundongos que
serviram de cobaia no estudo.
O processo já está patenteado.
Desmanchando no ar
A pesquisadora conta que o
óleo, já bastante estudado, é
composto por duas frações
bem diferentes. Uma é mais
pastosa, enquanto a outra é volátil, ou seja, alguns de seus
componentes podem evaporar.
Problema número um: é justamente nessa fração "vaporosa"
que as propriedades terapêuticas do óleo parecem estar. O
principal componente dessa
fração é conhecido como cariofileno, embora outras substâncias também estejam ali.
O jeito foi aprisionar a parte
que interessava do óleo em microcápsulas, com tamanho entre 10 e 15 mícrons (um mícron
equivale a um milésimo de milímetro), por um processo que
lembra a produção de leite em
pó. "Como as cápsulas são microscópicas, a olho nu só é possível ver uma espécie de pó",
explica Ramos.
Pelo menos em camundongos, o pó surpreendeu. Os pesquisadores induziram inflamações nas patas e na pleura (a
membrana que recobre os pulmões) dos bichos e depois administraram as microcápsulas
com o óleo. O potencial antiinflamatório foi cerca de duas vezes mais forte do que a do diclofenaco de sódio (mais conhecido pelos nomes comerciais Voltaren e Cataflam).
Segundo a farmacêutica, ainda é cedo para falar de efeitos
colaterais, mas os dados dos
roedores de Ribeirão e os obtidos por outros pesquisadores
sugerem que o óleo é pouco tóxico e não causa reações adversas. A maneira como ele age
também ainda precisa ser elucidada, mas há indícios de que
ele interfira com o sistema de
sinalização química que desencadeia a inflamação.
Uso sustentável
Se tudo der certo, os testes finais de um medicamento fitoterápico em humanos acontecerão daqui a cinco anos, estima Ramos. O fato pode ser uma
boa notícia para o manejo sustentável da copaíba, já que a extração da resina mantém a árvore de pé (cada "colheita" pode ser feita a cada seis meses ou
um ano, diz a pesquisadora).
"É uma prova de como a gente pode explorar bem a biodiversidade brasileira", afirma.
Hoje, a planta já é explorada pela indústria de cosméticos e
vernizes, por exemplo.
É bom lembrar que os resultados da pesquisa não garantem que qualquer resina de copaíba por aí terá efeito medicinal. "Há variações de árvore para árvore, e em algumas o conteúdo não-volátil pode ser muito mais abundante. É preciso
tomar cuidado com isso", aconselha a farmacêutica.
Próximo Texto: Astronomia: Cientistas prevêem chuva de metano em lua de Saturno Índice
|