|
Próximo Texto | Índice
Sonhar demais atrapalha aprendizado
Estudo feito com voluntários que jogavam game e com vestibulandos mostra novo elo entre sonhos e memória
Problema é estresse ou
relação emocional forte
com determinado tema,
aponta pesquisa feita
no Rio Grande do Norte
RICARDO MIOTO
ENVIADO A NATAL
Colocando voluntários para jogar Doom, game que ganhou fama nos anos 1990, a
equipe do neurocientista Sidarta Ribeiro descobriu que,
para aprender alguma coisa,
não bastar dormir bem: é preciso sonhar. Mas não demais.
Matar monstros (missão
do jogador do game) pela
ciência não é só diversão: os
voluntários têm sua atividade cerebral monitorada
quando vão dormir. Os cientistas acordam os jogadores
que sonham e fazem com que
descrevam os seus sonhos.
Cruzando essas respostas
com a evolução no desempenho dos voluntários no jogo,
descobriram que, para
aprender a jogar, sonhar
realmente é importante. Os
voluntários que não sonhavam com o jogo tinham mais
dificuldade para, no dia seguinte, matar monstros e
passar por fases.
Quando alguém sonha, é
como se o cérebro estivesse
salvando as informações importantes do dia em um arquivo permanente.
"O Doom envolve a memória que você tem consciência
de ter, como saber onde fica
uma passagem secreta ou
onde você pega uma arma, e
também outro tipo de memória, como a melhora na pontaria conforme você joga",
diz Ribeiro, professor da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte e do Instituto Internacional de Neurociência de Natal.
A equipe imaginava que os
voluntários que se envolviam muito com o jogo, sonhando muito com ele, virariam campeões. Não foi o que
aconteceu. A partir de certo
ponto, quanto mais você sonha, menos você aprende.
Acharam uma possível explicação: sonhos demais talvez levem a estresse, algo
que atrapalha o desempenho. A pessoa não está
aprendendo com eles -os
sonhos são, aí, só uma demonstração do impacto causado pelo tema no sujeito.
MALDITOS MONSTROS
"O Doom mobiliza o sujeito emocionalmente. Ele fica
com medo dos bichos, com
muita raiva deles", diz Ribeiro. São conhecidos casos extremos de pacientes que sonham exageradamente com
um mesmo tema -como alguns veteranos de guerra-, e
eles provavelmente não estão tendo nenhum aprendizado com isso.
Os cientistas queriam, entretanto, trocar o Doom por
um desafio mais real. Investigaram mais de 60 vestibulandos da UFRN, que relatavam se tinham sonhado com
a prova no dia anterior a ela.
Era maior a chance de ser
aprovado se a pessoa tinha
sonhado apenas medianamente com a prova (nem
muito, nem pouco) e se o sonho não envolvia grandes
emoções e estresses -como
conteúdos de geometria ou
encontrar amigos fazendo a
prova, por exemplo.
Quem não tinha sonhado
ou quem tinha sonhado com
coisas negativas -"pesadelos como encontrar o portão
fechado, esquecer a caneta
ou se ver nu na prova", nas
palavras de Ribeiro- teve
notas piores no teste. Ao que
parece, portanto, embora
não seja possível controlar os
sonhos, um ambiente desperto menos estressante favorece os sonhos "do bem".
Próximo Texto: Experiência própria inspirou neurocientista Índice
|