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RIO +10
Documento atribuído por ONGs aos EUA e à União Européia condiciona ações ambientais a acordos da OMC
Comércio internacional agita conferência
Moacyr Lopes Júnior/Folha Imagem
![](../images/d2708200201.jpg) |
Zulus se exibem para turistas em frente ao centro de convenções da Rio +10, em Johannesburgo |
CLAUDIO ANGELO
ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADOS ESPECIAIS A JOHANNESBURGO
Um documento que antepõe
princípios econômicos a progressos ambientais agitou ontem os
bastidores da abertura oficial da
Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10) em
Johannesburgo, África do Sul. As
organizações não-governamentais (ONGs) presentes ao encontro atribuem sua autoria a uma
aliança entre Estados Unidos e
União Européia. Diplomatas brasileiros admitem que seu teor é
"preocupante".
Os principais pontos do documento, que vem sendo chamado
de "non-paper" (um tipo de documento extra-oficial), são o enfoque mais liberal no comércio
internacional e, ao contrário,
mais regulatório para as economias internas. Isso favoreceria as
economias mais ricas, que já são
criticadas por defender abertura
no mercado alheio e exercitar
protecionismo interno.
Nesse clima de confronto, algumas ONGs chegaram a chamar o
grupo liderado por EUA, Canadá
e Austrália de "eixo do mal", segundo o jornal britânico "The Independent", por sua relutância
em cooperar com o restante do
mundo no combate à pobreza e à
degradação do ambiente.
Tony Juniper, vice-presidente
da ONG Amigos da Terra Internacional, disse que os outros governos devem pressionar para
que sejam adotados acordos "para as pessoas e para o planeta".
Ambientalistas em pânico
Analisado formalmente, apesar das desconfianças sobre sua origem, o "non-paper" abre uma brecha que deixa ambientalistas
em pânico: os acordos ambientais
internacionais teriam de ser submetidos à OMC (Organização
Mundial do Comércio).
O texto fala explicitamente, na
segunda de suas quatro páginas,
em estabelecer dependência mútua entre o sistema de comércio
multilateral e os acordos ambientais multilaterais, complementando e apoiando a agenda da OMC.
"O G-77 [grupo dos países subdesenvolvidos, ao qual pertence o
Brasil" está muito preocupado",
disse à Folha o ministro Everton
Vargas, do Departamento de
Meio Ambiente do Itamaraty.
Para Marcelo Furtado, do
Greenpeace Internacional, a conferência de Johannesburgo corre
o risco de deixar de ser uma reunião ambiental para se tornar comercial - "ou seja, em vez de ser
a Rio +10, passa a ser a Doha +10
meses". O ambientalista se referia
à reunião da OMC em Doha (Qatar) no ano passado.
As suspeitas dos ambientalistas
de que o texto foi produzido pelos
Estados Unidos e pela União Européia, que reúnem os países mais
desenvolvidos, foram confirmadas numa reunião de ONGs com
o ministro de Comércio Exterior
da África do Sul, Alec Erwin, domingo à noite.
Erwin disse claramente, então,
que o documento não fora produzido e apresentado pelo governo
sul-africano, que preside a conferência. Depois, o documento chegou a ser negado, até que foi formalmente discutido e cópias circularam pelos corredores do Sandton Centre, megacentro de
convenções que abriga a Rio +10
em Johannesburgo.
Outros temas que também acirraram as discussões técnicas ontem, no primeiro dia oficial do encontro, foram energia, biodiversidade, pesca e poluentes. No caso
de energia, há divergências internas na própria delegação brasileira, de quase 200 integrantes.
Inicialmente, a proposta do
Brasil de ampliar para 10% a meta
de energias renováveis no total da
geração dos países excluía as
grandes hidrelétricas, sob argumento de que elas causam danos
ambientais. Haveria pressões,
agora, para que fossem incluídas
na definição de energia renovável.
Responsabilidade comum
A melhor notícia do dia para o
andamento das negociações foi a
sinalização dos EUA de que retirariam as objeções ao princípio
das responsabilidades comuns,
mas diferenciadas. Por esse princípio, acordado na Eco-92, os países mais ricos são os que mais poluem e, portanto, têm de pagar
mais pela conservação do planeta.
Esse recuo em relação à Eco-92
era um dos temores tanto do governo brasileiro quanto dos setores informais que representam o
país na Rio +10. Além de funcionários do governo e de ONGs, integram a delegação empresários e
representantes, por exemplo, da
Petrobras e do BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social).
Outra boa nova foi a de avanços
importantes para fechar o texto
sobre o GEF (Fundo Global para o
Ambiente), considerado um dos
principais mecanismos de financiamento para ações rumo ao desenvolvimento sustentável. Dez
parágrafos que ainda estavam
"entre colchetes" (ou seja, sem
consenso entre as delegações) foram finalmente fechados ontem.
Esses dois avanços -na responsabilidade compartilhada e
no GEF- são comemorados pela
diplomacia brasileira, inclusive
porque abrem caminho para o
discurso que o presidente Fernando Henrique Cardoso deve fazer
ao final da reunião, na presença
de cerca de cem chefes de Estado.
FHC chega a Johannesburgo na
manhã do próximo domingo.
Há céticos, porém, em relação a
essas supostas vitórias, sob a suspeita de que, na verdade, os EUA
vêm apenas agindo premeditadamente dentro de seu próprio cronograma e agenda. Segundo Rubens Born, do Instituto Vitae Civilis, a Rio +10 continua sob o risco de "acabar em pizza". Ele, entretanto, afirma que "essa pizza
pode ficar melhorzinha, ter mozarela em cima, mesmo sem azeitona e orégano".
O jornalista Claudio Angelo viajou a
convite da BrasilConnects Cultura e Ecologia
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