São Paulo, terça-feira, 27 de agosto de 2002

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RIO +10

Documento atribuído por ONGs aos EUA e à União Européia condiciona ações ambientais a acordos da OMC

Comércio internacional agita conferência

Moacyr Lopes Júnior/Folha Imagem
Zulus se exibem para turistas em frente ao centro de convenções da Rio +10, em Johannesburgo


CLAUDIO ANGELO
ELIANE CANTANHÊDE

ENVIADOS ESPECIAIS A JOHANNESBURGO

Um documento que antepõe princípios econômicos a progressos ambientais agitou ontem os bastidores da abertura oficial da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10) em Johannesburgo, África do Sul. As organizações não-governamentais (ONGs) presentes ao encontro atribuem sua autoria a uma aliança entre Estados Unidos e União Européia. Diplomatas brasileiros admitem que seu teor é "preocupante".
Os principais pontos do documento, que vem sendo chamado de "non-paper" (um tipo de documento extra-oficial), são o enfoque mais liberal no comércio internacional e, ao contrário, mais regulatório para as economias internas. Isso favoreceria as economias mais ricas, que já são criticadas por defender abertura no mercado alheio e exercitar protecionismo interno.
Nesse clima de confronto, algumas ONGs chegaram a chamar o grupo liderado por EUA, Canadá e Austrália de "eixo do mal", segundo o jornal britânico "The Independent", por sua relutância em cooperar com o restante do mundo no combate à pobreza e à degradação do ambiente.
Tony Juniper, vice-presidente da ONG Amigos da Terra Internacional, disse que os outros governos devem pressionar para que sejam adotados acordos "para as pessoas e para o planeta".

Ambientalistas em pânico
Analisado formalmente, apesar das desconfianças sobre sua origem, o "non-paper" abre uma brecha que deixa ambientalistas em pânico: os acordos ambientais internacionais teriam de ser submetidos à OMC (Organização Mundial do Comércio).
O texto fala explicitamente, na segunda de suas quatro páginas, em estabelecer dependência mútua entre o sistema de comércio multilateral e os acordos ambientais multilaterais, complementando e apoiando a agenda da OMC.
"O G-77 [grupo dos países subdesenvolvidos, ao qual pertence o Brasil" está muito preocupado", disse à Folha o ministro Everton Vargas, do Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty.
Para Marcelo Furtado, do Greenpeace Internacional, a conferência de Johannesburgo corre o risco de deixar de ser uma reunião ambiental para se tornar comercial - "ou seja, em vez de ser a Rio +10, passa a ser a Doha +10 meses". O ambientalista se referia à reunião da OMC em Doha (Qatar) no ano passado.
As suspeitas dos ambientalistas de que o texto foi produzido pelos Estados Unidos e pela União Européia, que reúnem os países mais desenvolvidos, foram confirmadas numa reunião de ONGs com o ministro de Comércio Exterior da África do Sul, Alec Erwin, domingo à noite.
Erwin disse claramente, então, que o documento não fora produzido e apresentado pelo governo sul-africano, que preside a conferência. Depois, o documento chegou a ser negado, até que foi formalmente discutido e cópias circularam pelos corredores do Sandton Centre, megacentro de convenções que abriga a Rio +10 em Johannesburgo.
Outros temas que também acirraram as discussões técnicas ontem, no primeiro dia oficial do encontro, foram energia, biodiversidade, pesca e poluentes. No caso de energia, há divergências internas na própria delegação brasileira, de quase 200 integrantes.
Inicialmente, a proposta do Brasil de ampliar para 10% a meta de energias renováveis no total da geração dos países excluía as grandes hidrelétricas, sob argumento de que elas causam danos ambientais. Haveria pressões, agora, para que fossem incluídas na definição de energia renovável.

Responsabilidade comum
A melhor notícia do dia para o andamento das negociações foi a sinalização dos EUA de que retirariam as objeções ao princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Por esse princípio, acordado na Eco-92, os países mais ricos são os que mais poluem e, portanto, têm de pagar mais pela conservação do planeta.
Esse recuo em relação à Eco-92 era um dos temores tanto do governo brasileiro quanto dos setores informais que representam o país na Rio +10. Além de funcionários do governo e de ONGs, integram a delegação empresários e representantes, por exemplo, da Petrobras e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Outra boa nova foi a de avanços importantes para fechar o texto sobre o GEF (Fundo Global para o Ambiente), considerado um dos principais mecanismos de financiamento para ações rumo ao desenvolvimento sustentável. Dez parágrafos que ainda estavam "entre colchetes" (ou seja, sem consenso entre as delegações) foram finalmente fechados ontem.
Esses dois avanços -na responsabilidade compartilhada e no GEF- são comemorados pela diplomacia brasileira, inclusive porque abrem caminho para o discurso que o presidente Fernando Henrique Cardoso deve fazer ao final da reunião, na presença de cerca de cem chefes de Estado. FHC chega a Johannesburgo na manhã do próximo domingo.
Há céticos, porém, em relação a essas supostas vitórias, sob a suspeita de que, na verdade, os EUA vêm apenas agindo premeditadamente dentro de seu próprio cronograma e agenda. Segundo Rubens Born, do Instituto Vitae Civilis, a Rio +10 continua sob o risco de "acabar em pizza". Ele, entretanto, afirma que "essa pizza pode ficar melhorzinha, ter mozarela em cima, mesmo sem azeitona e orégano".


O jornalista Claudio Angelo viajou a convite da BrasilConnects Cultura e Ecologia


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