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Grupo franco-italiano decifra genoma da uva
Arranjo genético da planta usada para o vinho surpreende por ser ancestral
Seqüência do DNA da Pinot
Noir, variedade escolhida
para a pesquisa, é a primeira
de um vegetal frutífero de
importância na agricultura
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Cientistas da França e Itália,
os principais produtores de vinho no mundo, comprovaram
geneticamente o que o paladar
já deixava claro: a uva possui
uma quantidade de substâncias
aromáticas bem acima do normal entre as plantas.
A revista científica britânica
"Nature" divulgou ontem na
internet (www.nature.com) a
seqüência genética da uva do
vinho -espécie Vitis vinifera-
obtida por um consórcio franco-italiano; 56 pesquisadores
de instituições dos dois países
assinam o estudo.
A decifração do genoma, o
total do código genético, da uva
vinífera -isto é, o "seqüenciamento" do seu DNA- revelou
o dobro de enzimas vinculadas
a óleos essenciais e aromáticos
do que o que se notou em outras plantas seqüenciadas.
"Aparte o caráter aromático,
a principal surpresa foi descobrir que a uva do vinho tem um
arranjo de genoma bem ancestral, e pode ser útil como um
modelo para estudar a evolução das plantas. Em particular,
nós mostramos que a ancestral
de muitas plantas com flor veio
de uma triplicação do genoma", disse à Folha o pesquisador Patrick Wincker, do instituto francês Genoscope (Centro Nacional de Seqüenciamento). Wincker, que trabalhou no Brasil na Fiocruz
(Fundação Instituto Oswaldo
Cruz) no Rio de Janeiro, é o
coordenador do trabalho.
A seqüência do DNA da uva
foi a primeira de uma planta
frutífera de importância na
agricultura, a segunda de uma
cultura agrícola (o primeiro foi
o do arroz) e a quarta de uma
planta com flores.
O estudo mostrou uma grande amplificação dos genes envolvidos no metabolismo de
substâncias que dão sabor ao
vinho, como taninos e terpenos, além do resveratrol, que
costuma ser associado aos benefícios para a saúde -notadamente para o sistema cardiovascular- do consumo moderado da bebida.
"Isso sugere que poderá ser
possível traçar a diversidade
dos sabores do vinho até o nível
de genoma", escreveram os autores no estudo na "Nature".
Ou seja, o resultado a longo
prazo poderá ajudar na melhora da qualidade do vinho, mas,
principalmente, servirá para
reduzir o volume de pesticidas
utilizados na vitivinicultura.
"A maior parte da amplificação destas famílias de genes
não foi devida à ação do homem, mas à seleção natural. No
entanto, o homem seleciona
combinações especiais dessas
famílias para propósitos aromáticos. Nós sabemos também
que algumas dessas famílias estão originalmente envolvidas
na resistência a doenças", afirma Wincker.
A uva do vinho é cultivada
desde a Pré-História e foi selecionada para seqüenciamento
"por causa da sua importância
na herança cultural da humanidade, começando no Neolítico", registraram os autores do
trabalho. "O historiador grego
Tucídides escreveu que os povos do Mediterrâneo começaram a emergir da ignorância
quando eles aprenderam a cultivar oliveiras e vinhas", lembram os cientistas.
A cepa de uva seqüenciada
foi originariamente derivada
da variedade Pinot Noir. Mas
não por recomendação de algum enófilo. "A escolha foi baseada não na qualidade do vinho, embora a Pinot Noir seja
usada em muitos vinhos de alto
padrão, como o Borgonha tinto
ou Champagne. A linhagem especial de Pinot Noir foi usada
porque ela se tornou quase homozigota (sem variação genética) por sucessivos retrocruzamentos nos últimos trinta
anos. Seqüenciar o genoma dá
resultados muito melhores
com um organismo quase homozigoto", declara o pesquisador do Genoscope.
Para os autores do trabalho o
principal uso da seqüência será
na identificação de genes envolvidos na resistência a patógenos (agentes causadores de
doenças). A redução no uso de
pesticidas daria um ganho de
competitividade à indústria vinícola européia, no momento
pressionada pela competição
de vinhos de outras parte do
mundo, como Chile, Argentina,
Austrália, África do Sul, EUA e
mesmo Brasil.
O acordo de cooperação
franco-italiano para o seqüenciamento da uva vinífera foi assinado em junho de 2005. O
principal envolvido na França
foi o Genoscope. Os pesquisadores italianos vieram de várias universidades, de cidades
como Pádua, Udine, Milão, Verona, Bari e Siena.
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