São Paulo, segunda-feira, 27 de agosto de 2007

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Grupo franco-italiano decifra genoma da uva

Arranjo genético da planta usada para o vinho surpreende por ser ancestral

Seqüência do DNA da Pinot Noir, variedade escolhida para a pesquisa, é a primeira de um vegetal frutífero de importância na agricultura

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Cientistas da França e Itália, os principais produtores de vinho no mundo, comprovaram geneticamente o que o paladar já deixava claro: a uva possui uma quantidade de substâncias aromáticas bem acima do normal entre as plantas.
A revista científica britânica "Nature" divulgou ontem na internet (www.nature.com) a seqüência genética da uva do vinho -espécie Vitis vinifera- obtida por um consórcio franco-italiano; 56 pesquisadores de instituições dos dois países assinam o estudo.
A decifração do genoma, o total do código genético, da uva vinífera -isto é, o "seqüenciamento" do seu DNA- revelou o dobro de enzimas vinculadas a óleos essenciais e aromáticos do que o que se notou em outras plantas seqüenciadas.
"Aparte o caráter aromático, a principal surpresa foi descobrir que a uva do vinho tem um arranjo de genoma bem ancestral, e pode ser útil como um modelo para estudar a evolução das plantas. Em particular, nós mostramos que a ancestral de muitas plantas com flor veio de uma triplicação do genoma", disse à Folha o pesquisador Patrick Wincker, do instituto francês Genoscope (Centro Nacional de Seqüenciamento). Wincker, que trabalhou no Brasil na Fiocruz (Fundação Instituto Oswaldo Cruz) no Rio de Janeiro, é o coordenador do trabalho.
A seqüência do DNA da uva foi a primeira de uma planta frutífera de importância na agricultura, a segunda de uma cultura agrícola (o primeiro foi o do arroz) e a quarta de uma planta com flores.
O estudo mostrou uma grande amplificação dos genes envolvidos no metabolismo de substâncias que dão sabor ao vinho, como taninos e terpenos, além do resveratrol, que costuma ser associado aos benefícios para a saúde -notadamente para o sistema cardiovascular- do consumo moderado da bebida.
"Isso sugere que poderá ser possível traçar a diversidade dos sabores do vinho até o nível de genoma", escreveram os autores no estudo na "Nature".
Ou seja, o resultado a longo prazo poderá ajudar na melhora da qualidade do vinho, mas, principalmente, servirá para reduzir o volume de pesticidas utilizados na vitivinicultura.
"A maior parte da amplificação destas famílias de genes não foi devida à ação do homem, mas à seleção natural. No entanto, o homem seleciona combinações especiais dessas famílias para propósitos aromáticos. Nós sabemos também que algumas dessas famílias estão originalmente envolvidas na resistência a doenças", afirma Wincker.
A uva do vinho é cultivada desde a Pré-História e foi selecionada para seqüenciamento "por causa da sua importância na herança cultural da humanidade, começando no Neolítico", registraram os autores do trabalho. "O historiador grego Tucídides escreveu que os povos do Mediterrâneo começaram a emergir da ignorância quando eles aprenderam a cultivar oliveiras e vinhas", lembram os cientistas.
A cepa de uva seqüenciada foi originariamente derivada da variedade Pinot Noir. Mas não por recomendação de algum enófilo. "A escolha foi baseada não na qualidade do vinho, embora a Pinot Noir seja usada em muitos vinhos de alto padrão, como o Borgonha tinto ou Champagne. A linhagem especial de Pinot Noir foi usada porque ela se tornou quase homozigota (sem variação genética) por sucessivos retrocruzamentos nos últimos trinta anos. Seqüenciar o genoma dá resultados muito melhores com um organismo quase homozigoto", declara o pesquisador do Genoscope.
Para os autores do trabalho o principal uso da seqüência será na identificação de genes envolvidos na resistência a patógenos (agentes causadores de doenças). A redução no uso de pesticidas daria um ganho de competitividade à indústria vinícola européia, no momento pressionada pela competição de vinhos de outras parte do mundo, como Chile, Argentina, Austrália, África do Sul, EUA e mesmo Brasil.
O acordo de cooperação franco-italiano para o seqüenciamento da uva vinífera foi assinado em junho de 2005. O principal envolvido na França foi o Genoscope. Os pesquisadores italianos vieram de várias universidades, de cidades como Pádua, Udine, Milão, Verona, Bari e Siena.

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