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MEDICINA
Estudo norte-americano com roedores mostra que antidepressivo atrapalha desenvolvimento de circuito cerebral
Prozac na infância deprime camundongo
CRISTINA AMORIM
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Uma pesquisa conduzida nos
Estados Unidos com camundongos sugere que o consumo na infância da mais popular classe de
antidepressivos pode levar a distúrbios psiquiátricos, como ansiedade, na fase adulta.
O estudo, que será publicado na
próxima sexta-feira na revista
"Science" (www.sciencemag.org), foi realizado na Universidade Columbia, em Nova York -a
mesma instituição que, há alguns
meses, confirmou que o uso de remédios do tipo ISRS (inibidores
seletivos de recaptação de serotonina) podem elevar a freqüência
de pensamentos suicidas em jovens, com base em uma revisão de
pesquisas realizadas pelos próprios fabricantes dessas drogas.
O estudo mirou um gene específico, o 5-HTT, responsável pela
reabsorção da molécula de serotonina pelos neurônios. A serotonina é um tipo de "barco" que leva as informações de uma célula
cerebral para outra, e é recapturada e reciclada na célula de origem
após cumprir sua tarefa.
A falta de serotonina é uma das
causas apontadas para explicar a
depressão. Para combater os sintomas, os ISRS mantêm um nível
constante do neurotransmissor
entre os neurônios e sustentam o
fluxo de informações.
Adubo neural
Acontece que a serotonina pode
ter outro papel. Estudos anteriores com animais mostram que a
substância age como um fator de
crescimento, diferenciação e modulação das células nervosas, especialmente no início da vida.
Quando os cientistas injetaram
uma solução com fluoxetina
(princípio ativo do Prozac, a estrela da classe dos ISRS) nos camundongos desde quatro dias
antes do nascimento até os 21 dias
de idade, a droga impediu a ação
normal da serotonina no cérebro.
O grupo que não tinha o gene 5-HTT apresentou sinais de ansiedade, como era esperado. Já os
roedores que tinham o gene e receberam a fluoxetina mostraram
um comportamento depressivo e
ansioso: eram mais lentos e pareciam mais intimidados em ambientes desconhecidos.
Segundo os pesquisadores, a
fluoxetina cortou a ação do gene
5-HTT no desenvolvimento dos
circuitos neurais. Eles não explicam o que impediu a maturação
normal do sistema nervoso, mas
sugerem que a baixa expressão do
gene aumenta a vulnerabilidade a
desordens psiquiátricas -pelo
menos em camundongos jovens.
Em seres humanos, o cérebro
geralmente só é considerado maduro no início da fase adulta e
continua a mudar durante toda a
vida."Não sabemos se esses resultados se aplicam a humanos, mas
esperamos que não", disse à Folha Jay Gingrich, um dos autores
do estudo. A fluoxetina é comumente prescrita para o tratamento de disfunções como depressão
e transtorno bipolar em crianças e
adolescentes. "O estudo, se válido
para pessoas, teria profundas implicações na saúde pública, então
mais pesquisas devem ser realizadas para compreender os riscos e
saber como evitá-los."
O professor de neurologia Henrique Ballalai Ferraz, da Universidade Federal da São Paulo, não
acredita que os remédios causem
problemas a longo prazo, mesmo
quando prescritos para jovens.
"Estudos do tipo são importantes,
mas são apenas a ponta do iceberg", diz Ferraz. "Por trás do
achado podem existir outras implicações, como possíveis anomalias na expressão dos genes."
Ele lembra que, antes do ISRS,
as crianças eram medicadas com
outra classe de antidepressivos, os
tricíclicos, desde a década de 1960,
sem que os adultos de hoje mostrem anomalias no desenvolvimento cerebral. Os tricíclicos são
ainda usados e também impedem
a reabsorção de neurotransmissores, entre eles a serotonina.
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