São Paulo, quarta-feira, 27 de outubro de 2004

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MEDICINA

Estudo norte-americano com roedores mostra que antidepressivo atrapalha desenvolvimento de circuito cerebral

Prozac na infância deprime camundongo

CRISTINA AMORIM
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Uma pesquisa conduzida nos Estados Unidos com camundongos sugere que o consumo na infância da mais popular classe de antidepressivos pode levar a distúrbios psiquiátricos, como ansiedade, na fase adulta.
O estudo, que será publicado na próxima sexta-feira na revista "Science" (www.sciencemag.org), foi realizado na Universidade Columbia, em Nova York -a mesma instituição que, há alguns meses, confirmou que o uso de remédios do tipo ISRS (inibidores seletivos de recaptação de serotonina) podem elevar a freqüência de pensamentos suicidas em jovens, com base em uma revisão de pesquisas realizadas pelos próprios fabricantes dessas drogas.
O estudo mirou um gene específico, o 5-HTT, responsável pela reabsorção da molécula de serotonina pelos neurônios. A serotonina é um tipo de "barco" que leva as informações de uma célula cerebral para outra, e é recapturada e reciclada na célula de origem após cumprir sua tarefa.
A falta de serotonina é uma das causas apontadas para explicar a depressão. Para combater os sintomas, os ISRS mantêm um nível constante do neurotransmissor entre os neurônios e sustentam o fluxo de informações.

Adubo neural
Acontece que a serotonina pode ter outro papel. Estudos anteriores com animais mostram que a substância age como um fator de crescimento, diferenciação e modulação das células nervosas, especialmente no início da vida.
Quando os cientistas injetaram uma solução com fluoxetina (princípio ativo do Prozac, a estrela da classe dos ISRS) nos camundongos desde quatro dias antes do nascimento até os 21 dias de idade, a droga impediu a ação normal da serotonina no cérebro.
O grupo que não tinha o gene 5-HTT apresentou sinais de ansiedade, como era esperado. Já os roedores que tinham o gene e receberam a fluoxetina mostraram um comportamento depressivo e ansioso: eram mais lentos e pareciam mais intimidados em ambientes desconhecidos.
Segundo os pesquisadores, a fluoxetina cortou a ação do gene 5-HTT no desenvolvimento dos circuitos neurais. Eles não explicam o que impediu a maturação normal do sistema nervoso, mas sugerem que a baixa expressão do gene aumenta a vulnerabilidade a desordens psiquiátricas -pelo menos em camundongos jovens.
Em seres humanos, o cérebro geralmente só é considerado maduro no início da fase adulta e continua a mudar durante toda a vida."Não sabemos se esses resultados se aplicam a humanos, mas esperamos que não", disse à Folha Jay Gingrich, um dos autores do estudo. A fluoxetina é comumente prescrita para o tratamento de disfunções como depressão e transtorno bipolar em crianças e adolescentes. "O estudo, se válido para pessoas, teria profundas implicações na saúde pública, então mais pesquisas devem ser realizadas para compreender os riscos e saber como evitá-los."
O professor de neurologia Henrique Ballalai Ferraz, da Universidade Federal da São Paulo, não acredita que os remédios causem problemas a longo prazo, mesmo quando prescritos para jovens. "Estudos do tipo são importantes, mas são apenas a ponta do iceberg", diz Ferraz. "Por trás do achado podem existir outras implicações, como possíveis anomalias na expressão dos genes."
Ele lembra que, antes do ISRS, as crianças eram medicadas com outra classe de antidepressivos, os tricíclicos, desde a década de 1960, sem que os adultos de hoje mostrem anomalias no desenvolvimento cerebral. Os tricíclicos são ainda usados e também impedem a reabsorção de neurotransmissores, entre eles a serotonina.


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