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ARQUEOLOGIA
Uso de técnicas antes aplicadas às relações entre seres vivos apóia teoria de que idiomas surgiram na Turquia
Estudo dá 9.000 anos a línguas européias
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A analogia entre línguas humanas e seres vivos, ao lado de uma
boa dose de refinamento matemático, acaba de gerar mais uma
evidência em favor da teoria de
que as línguas da Europa e de boa
parte da Ásia nasceram entre
8.000 e 10 mil anos atrás, das bocas dos primeiros agricultores do
planeta, talvez na atual Turquia.
Usando palavras de 87 idiomas
da família linguística indo-européia, que inclui falares tão diversos quanto o português, o inglês,
o grego, o persa e o hindi, a dupla
de psicólogos evolucionistas Russell Gray e Quentin Atkinson, da
Universidade de Auckland, na
Nova Zelândia, construiu uma
imensa árvore genealógica.
Com técnicas analíticas similares às que permitem aos biólogos
usar a informação do DNA para
estimar o parentesco e a distância
entre duas espécies na evolução,
os dois reconstruíram os laços de
família entre as dezenas de idiomas e estimaram o tempo de separação entre cada uma delas.
"Somos no entanto agnósticos
quanto ao local de origem dessa
língua", ressalva Gray. "Tudo o
que fizemos foi apontar que a
profundidade temporal se encaixa incrivelmente bem com a hipótese anatólia [referente à Anatólia,
nome antigo da Turquia]", disse à
Folha o pesquisador, cujo trabalho sai na edição de hoje da revista
científica britânica "Nature"
(www.nature.com).
Mexendo no vespeiro
A idade e o local de origem do
famigerado proto-indo-europeu,
esse "Adão" dos idiomas da Europa, é um problema que vem exasperando linguistas e arqueólogos
há 150 anos. Parece mais ou menos claro pela análise comparativa de todos esses idiomas que eles
têm uma origem comum, demonstrada pela conservação de
som e significado no vocabulário
básico (partes do corpo, pronomes, números) por milhares de
anos e quilômetros de separação.
Para que tanta gente numa área
tão extensa (da Irlanda à Rússia
sem interrupções, e em grandes
áreas do Irã e da Índia, sem contar
as Américas) falasse idiomas com
a mesma origem, imagina-se que
seus falantes iniciais tivessem
uma vantagem sobre outros povos. Foi assim que surgiram as
duas teorias em voga hoje.
A mais antiga afirma que os indo-europeus descendem dos primeiros homens a domesticar cavalos na atual Ucrânia. A montaria teria dado mobilidade e superioridade militar a seus donos.
Outra teoria supõe que os conquistadores da Europa estavam
entre os primeiros a domesticar
plantas e criar animais na Anatólia, há cerca de 10 mil anos. A produção de alimentos teria permitido que eles se tornassem muito
mais numerosos e suplantassem
os caçadores-coletores na Ásia e,
depois, na Europa, para onde teriam emigrado.
Há evidências arqueológicas e
genéticas em favor das duas teses,
mas é quase impossível prová-las
só com isso. Afinal, línguas não se
fossilizam nem são codificadas
em DNA. Houve quem tentasse
estimar o parentesco e a idade entre as línguas usando a porcentagem relativa de palavras cognatas
(de origem comum), entre um
idioma e outro. Quanto maior a
divergência, maior a idade -supondo que as línguas mudem
num ritmo constante, o que, pelo
que se sabe, não é verdade.
Esse problema aparecia também nas primeiras análises de árvore genealógica com DNA. Gray
e Atkinson, portanto, usaram um
modelo matemático que permitia
que a taxa de mudança variasse de
grupo para grupo de línguas.
Cada uma das 2.449 palavras da
amostragem contava como 1 (se a
palavra era cognata para um dado
par de línguas) ou 0 (se não havia
equivalência entre o par), o que
ajudava a reconstruir as relações
entre idiomas. "Desse jeito obtivemos muito mais dos dados do
que com a simples porcentagem
de palavras cognatas", diz Gray.
Em vários casos foi possível estimar, com base em dados históricos (documentos escritos) tempo
mínimo e máximo de origem e
morte de uma língua. O bretão,
uma língua celta da França, por
exemplo, só virou um idioma separado quando tribos britânicas
fugiram para o território francês,
no século 5º da Era Cristã.
Depois de tudo isso, o computador fez o resto -reconstruindo a
árvore 1,3 milhão de vezes até chegar ao resultado de maior probabilidade, diz Gray. De acordo com
ele, o mais provável é que o hitita,
um idioma extinto no século 13
a.C. na Anatólia, seja o mais próximo da raiz indo-européia.
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