|
Próximo Texto | Índice
AMAZÔNIA
Solo fértil criado por ocupação humana antiga pode se tornar alternativa para lavoura de subsistência sustentável
Pesquisa tenta recriar terra preta no Pará
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Pesquisadores do Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém,
estão dando os primeiros passos
na tentativa de recriar um misterioso solo fértil conhecido como
terra preta, presente em manchas
esparsas por toda a Amazônia.
Espera-se que esse solo, associado
a grandes aldeias amazônicas pré-coloniais, possa se revelar um
aliado para tornar a agricultura de
subsistência na região mais produtiva e sustentável.
"Tudo o que se planta na terra
preta dá, com maior qualidade e
quantidade", afirma a geoarqueóloga gaúcha Dirse Clara Kern, 45,
coordenadora do estudo.
O mais impressionante é que locais com esse tipo de solo, ocupados por 50 anos ou mais, mantêm
a fertilidade mesmo sem nenhum
uso de adubo orgânico. É exatamente o oposto da maioria dos
solos da Amazônia, que perdem
seus nutrientes muito rapidamente, depois de desmatados.
Nutrientes que, aliás, nunca faltam na terra preta, rica em fósforo, cálcio, magnésio, zinco, manganês e moléculas orgânicas. Hipóteses abundam para explicar
como foi formado esse verdadeiro paraíso agrícola. Para alguns
pesquisadores, os habitantes das
grandes aldeias amazônicas do
passado teriam intencionalmente
enriquecido o solo que ocupavam
com matéria orgânica.
Kern, no entanto, aposta num
processo de formação casual para
esse solo: "Essas grandes comunidades naturalmente acumulavam
uma quantidade enorme de matéria orgânica dentro da área da
aldeia, seja de origem vegetal,
porque as casas eram cobertas de
palha, seja de origem animal, porque carneavam animais ali. Mesmo hoje, nas áreas ocupadas por
índios e caboclos, nós podemos
ver terra preta em formação, claro
que de maneira não intencional".
O problema é que, deixado a si
mesmo, o processo é extremamente lento, explica a pesquisadora. Por isso, desde junho do
ano passado, uma equipe multidisciplinar do Goeldi está utilizando matéria orgânica para recriar e acelerar o processo.
A equipe está experimentado
diferentes tipos de adubo orgânico, como serragem e sobras vegetais de madeireiras, e restos de
açougue -ossos, sangue e carcaças. Numa área de quatro hectares (40 mil m2), o composto é espalhado sobre o solo e coberto
com terra. Após essa primeira fase, microbiólogos e químicos analisam a presença de microrganismos e elementos no sistema todo.
"Isso é importante porque nós
sabemos, por exemplo, que a microbiologia da terra preta é diferente da do solo normal, e a presença de microrganismos pode
acelerar o processo de formação
desse tipo de solo", diz Kern. Periodicamente, novas camadas de
material são adicionadas.
O projeto, financiado pelo governo do Pará, deve analisar como essas variáveis influenciam a
formação da terra preta também a
longo prazo, já que tem duração
prevista para 25 anos. Além dos
benefícios para o agricultor amazônico, o patrimônio arqueológico também poderá ser protegido
pela pesquisa, já que os caboclos
não teriam de ocupar as áreas de
terra preta "pronta", ricas em vestígios de povos do passado.
(REINALDO JOSÉ LOPES)
Próximo Texto: Incentivo: Prêmios darão R$ 800 mil a pesquisadores Índice
|