São Paulo, quarta-feira, 28 de janeiro de 2004

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AMAZÔNIA

Solo fértil criado por ocupação humana antiga pode se tornar alternativa para lavoura de subsistência sustentável

Pesquisa tenta recriar terra preta no Pará

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Pesquisadores do Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém, estão dando os primeiros passos na tentativa de recriar um misterioso solo fértil conhecido como terra preta, presente em manchas esparsas por toda a Amazônia. Espera-se que esse solo, associado a grandes aldeias amazônicas pré-coloniais, possa se revelar um aliado para tornar a agricultura de subsistência na região mais produtiva e sustentável.
"Tudo o que se planta na terra preta dá, com maior qualidade e quantidade", afirma a geoarqueóloga gaúcha Dirse Clara Kern, 45, coordenadora do estudo.
O mais impressionante é que locais com esse tipo de solo, ocupados por 50 anos ou mais, mantêm a fertilidade mesmo sem nenhum uso de adubo orgânico. É exatamente o oposto da maioria dos solos da Amazônia, que perdem seus nutrientes muito rapidamente, depois de desmatados.
Nutrientes que, aliás, nunca faltam na terra preta, rica em fósforo, cálcio, magnésio, zinco, manganês e moléculas orgânicas. Hipóteses abundam para explicar como foi formado esse verdadeiro paraíso agrícola. Para alguns pesquisadores, os habitantes das grandes aldeias amazônicas do passado teriam intencionalmente enriquecido o solo que ocupavam com matéria orgânica.
Kern, no entanto, aposta num processo de formação casual para esse solo: "Essas grandes comunidades naturalmente acumulavam uma quantidade enorme de matéria orgânica dentro da área da aldeia, seja de origem vegetal, porque as casas eram cobertas de palha, seja de origem animal, porque carneavam animais ali. Mesmo hoje, nas áreas ocupadas por índios e caboclos, nós podemos ver terra preta em formação, claro que de maneira não intencional".
O problema é que, deixado a si mesmo, o processo é extremamente lento, explica a pesquisadora. Por isso, desde junho do ano passado, uma equipe multidisciplinar do Goeldi está utilizando matéria orgânica para recriar e acelerar o processo.
A equipe está experimentado diferentes tipos de adubo orgânico, como serragem e sobras vegetais de madeireiras, e restos de açougue -ossos, sangue e carcaças. Numa área de quatro hectares (40 mil m2), o composto é espalhado sobre o solo e coberto com terra. Após essa primeira fase, microbiólogos e químicos analisam a presença de microrganismos e elementos no sistema todo.
"Isso é importante porque nós sabemos, por exemplo, que a microbiologia da terra preta é diferente da do solo normal, e a presença de microrganismos pode acelerar o processo de formação desse tipo de solo", diz Kern. Periodicamente, novas camadas de material são adicionadas.
O projeto, financiado pelo governo do Pará, deve analisar como essas variáveis influenciam a formação da terra preta também a longo prazo, já que tem duração prevista para 25 anos. Além dos benefícios para o agricultor amazônico, o patrimônio arqueológico também poderá ser protegido pela pesquisa, já que os caboclos não teriam de ocupar as áreas de terra preta "pronta", ricas em vestígios de povos do passado.
(REINALDO JOSÉ LOPES)


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