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São Paulo, sábado, 28 de junho de 2003

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AMBIENTE

Empresa do Pará cria novo modelo de manejo florestal sustentável ao negociar com produtor em assentamento

Madeireira inverte a lógica da destruição

CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Na semana em que foi divulgada a cifra-recorde do desmatamento na Amazônia, 25 mil km2, uma empresa madeireira apresentou em Belém os resultados de uma experiência que, se ampliada, pode ajudar a atacar as causas da devastação no ponto mais baixo da cadeia: os pequenos produtores dos assentamentos rurais.
A Maflops (Manejo Florestal e Prestação de Serviços), fundada em 2000 em Santarém, compra madeira de associações de colonos dos assentamentos Moju 1 e 2, do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no município de Belterra, 100 km ao sul de Santarém. Em troca, ajuda os colonos a construir estradas e escolas e demarcar os lotes, benfeitorias que o instituto geralmente demora muito para fazer por falta de dinheiro.
Em três anos de funcionamento, a empresa conseguiu fazer acordos com 16 associações de assentados e implantou o manejo florestal "sustentável" numa área de 80 mil hectares.
A extração predatória de madeira foi praticamente banida dessa área e, com o que recebem da empresa, os colonos estão comprando máquinas para mecanizar suas lavouras. Isso aumenta sua produtividade e reduz a necessidade de derrubar a floresta para abrir roça.
A experiência da empresa foi contada no livro "Florestas Familiares - Um Pacto Socioambiental entre a Indústria Madeireira e a Agricultura Familiar na Amazônia", organizado por Erivelthon Lima, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (www.ipam.org.br). O livro foi lançado ontem, durante um seminário convocado pelo Ipam em Belém sobre a participação dos movimentos sociais no Programa Nacional de Florestas.
O modelo da Maflops tem, no entanto, um pequeno problema: ainda não dá lucro.
"Eu ganho para me manter e pagar os salários dos meus funcionários", disse à Folha o fundador e dono da Maflops, Antônio Abelardo Leite, 37, um mineiro. "Todo mundo me chama de bobo, minha mulher briga comigo. Mas eu digo que estou fazendo a minha cama para deitar depois."

Sem terra
Pode parecer uma estratégia empresarial suicida, mas Leite sabe exercer a proverbial paciência mineira. Primeiro, sua empresa não precisa comprar terras, principal fator de custo da atividade madeireira. Depois, ao ver os resultados do "sistema Maflops" funcionando, várias associações de colonos começaram a procurá-lo para firmar parcerias, aumentando a área potencial de exploração da empresa.
Ele diz que só precisa, agora, conseguir financiamento para comprar máquinas, como trator de esteira e "skidder", que são alugados. "O aluguel das máquinas custa duas vezes mais que a compra. Esse seria o meu lucro."
Aos apressados, vale lembrar que a Mil Madeireira, do Amazonas, primeira empresa no Brasil a receber o selo verde do FSC (Conselho de Manejo Florestal), ficou seus três primeiros anos operando no vermelho.
Leite, que é técnico em agropecuária e trabalhava no Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais antes de ir para o Pará, nos anos 80, conta que teve a idéia de negociar contratos de exploração com os assentados depois de trabalhar durante anos realizando inventários florestais para uma madeireira do Estado.

Sem dinheiro
O inventário florestal é a etapa mais importante de um plano de manejo. Ele consiste em ir para o mato e localizar todas as árvores que podem ser derrubadas, levando em conta diâmetro mínimo e localização -árvores em beira de curso d'água, por exemplo, não podem ser cortadas.
"Eu fazia os inventários, mas a empresa nunca executava do jeito que eu planejava", diz.
Resolveu contratar um engenheiro florestal e abrir uma empresa que realizasse os inventários e executasse o manejo. Só havia um problema: o capital inicial para fazer os inventários nos assentamentos, R$ 70 mil.
"Como dizem no Pará, eu não tinha dinheiro nem para a rede. Saí de serraria em serraria perguntando, mas ninguém queria me adiantar o dinheiro."
Uma serraria sediada no Rio de Janeiro resolveu bancar a Maflops, mas com uma condição: um contrato de exclusividade sobre a venda da madeira. Por um lado, isso garantiu mercado para as 50 espécies que Leite explora nos assentamentos. Por outro, forçou a redução do preço.

Sem clandestinos
Negociar com a Maflops foi vantagem para os colonos por dois motivos: primeiro, pelo investimento que a empresa faz em infra-estrutura nos assentamentos. Segundo, porque o pagamento é mais gordo. Leite paga a cada colono cerca de R$ 15 por metro cúbico de madeira, fora o salário -há colonos treinados pela Maflops para trabalhar na extração. Os madeireiros clandestinos pagam R$ 100 por árvore.
"O clandestino só tira árvores de mais de 30 metros cúbicos. No meu caso, se a árvore dá mais de 30 metros, ele [o colono] ganha quase R$ 500", afirma.
Após a exploração, um lote de 90 hectares terá rendido até R$ 15 mil para o assentado -que só voltará a cortar madeira na área após 20 anos. "Eles podem usar o dinheiro para comprar máquinas. Com o clandestino, eles ganham R$ 100 e o dinheiro acaba."


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