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AMBIENTE
Empresa do Pará cria novo modelo de manejo florestal sustentável ao negociar com produtor em assentamento
Madeireira inverte a lógica da destruição
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
Na semana em que foi divulgada a cifra-recorde do desmatamento na Amazônia, 25 mil km2,
uma empresa madeireira apresentou em Belém os resultados de
uma experiência que, se ampliada, pode ajudar a atacar as causas
da devastação no ponto mais baixo da cadeia: os pequenos produtores dos assentamentos rurais.
A Maflops (Manejo Florestal e
Prestação de Serviços), fundada
em 2000 em Santarém, compra
madeira de associações de colonos dos assentamentos Moju 1 e 2,
do Incra (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária)
no município de Belterra, 100 km
ao sul de Santarém. Em troca, ajuda os colonos a construir estradas
e escolas e demarcar os lotes, benfeitorias que o instituto geralmente demora muito para fazer por
falta de dinheiro.
Em três anos de funcionamento, a empresa conseguiu fazer
acordos com 16 associações de assentados e implantou o manejo
florestal "sustentável" numa área
de 80 mil hectares.
A extração predatória de madeira foi praticamente banida
dessa área e, com o que recebem
da empresa, os colonos estão
comprando máquinas para mecanizar suas lavouras. Isso aumenta sua produtividade e reduz
a necessidade de derrubar a floresta para abrir roça.
A experiência da empresa foi
contada no livro "Florestas Familiares - Um Pacto Socioambiental entre a Indústria Madeireira e a
Agricultura Familiar na Amazônia", organizado por Erivelthon
Lima, do Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia (www.ipam.org.br). O livro foi lançado
ontem, durante um seminário
convocado pelo Ipam em Belém
sobre a participação dos movimentos sociais no Programa Nacional de Florestas.
O modelo da Maflops tem, no
entanto, um pequeno problema:
ainda não dá lucro.
"Eu ganho para me manter e
pagar os salários dos meus funcionários", disse à Folha o fundador e dono da Maflops, Antônio
Abelardo Leite, 37, um mineiro.
"Todo mundo me chama de bobo, minha mulher briga comigo.
Mas eu digo que estou fazendo a
minha cama para deitar depois."
Sem terra
Pode parecer uma estratégia
empresarial suicida, mas Leite sabe exercer a proverbial paciência
mineira. Primeiro, sua empresa
não precisa comprar terras, principal fator de custo da atividade
madeireira. Depois, ao ver os resultados do "sistema Maflops"
funcionando, várias associações
de colonos começaram a procurá-lo para firmar parcerias, aumentando a área potencial de exploração da empresa.
Ele diz que só precisa, agora,
conseguir financiamento para
comprar máquinas, como trator
de esteira e "skidder", que são alugados. "O aluguel das máquinas
custa duas vezes mais que a compra. Esse seria o meu lucro."
Aos apressados, vale lembrar
que a Mil Madeireira, do Amazonas, primeira empresa no Brasil a
receber o selo verde do FSC (Conselho de Manejo Florestal), ficou
seus três primeiros anos operando no vermelho.
Leite, que é técnico em agropecuária e trabalhava no Instituto
Estadual de Florestas de Minas
Gerais antes de ir para o Pará, nos
anos 80, conta que teve a idéia de
negociar contratos de exploração
com os assentados depois de trabalhar durante anos realizando
inventários florestais para uma
madeireira do Estado.
Sem dinheiro
O inventário florestal é a etapa
mais importante de um plano de
manejo. Ele consiste em ir para o
mato e localizar todas as árvores
que podem ser derrubadas, levando em conta diâmetro mínimo e
localização -árvores em beira de
curso d'água, por exemplo, não
podem ser cortadas.
"Eu fazia os inventários, mas a
empresa nunca executava do jeito
que eu planejava", diz.
Resolveu contratar um engenheiro florestal e abrir uma empresa que realizasse os inventários e executasse o manejo. Só havia um problema: o capital inicial
para fazer os inventários nos assentamentos, R$ 70 mil.
"Como dizem no Pará, eu não
tinha dinheiro nem para a rede.
Saí de serraria em serraria perguntando, mas ninguém queria
me adiantar o dinheiro."
Uma serraria sediada no Rio de
Janeiro resolveu bancar a Maflops, mas com uma condição:
um contrato de exclusividade sobre a venda da madeira. Por um
lado, isso garantiu mercado para
as 50 espécies que Leite explora
nos assentamentos. Por outro,
forçou a redução do preço.
Sem clandestinos
Negociar com a Maflops foi
vantagem para os colonos por
dois motivos: primeiro, pelo investimento que a empresa faz em
infra-estrutura nos assentamentos. Segundo, porque o pagamento é mais gordo. Leite paga a cada
colono cerca de R$ 15 por metro
cúbico de madeira, fora o salário
-há colonos treinados pela Maflops para trabalhar na extração.
Os madeireiros clandestinos pagam R$ 100 por árvore.
"O clandestino só tira árvores
de mais de 30 metros cúbicos. No
meu caso, se a árvore dá mais de
30 metros, ele [o colono] ganha
quase R$ 500", afirma.
Após a exploração, um lote de
90 hectares terá rendido até R$ 15
mil para o assentado -que só
voltará a cortar madeira na área
após 20 anos. "Eles podem usar o
dinheiro para comprar máquinas.
Com o clandestino, eles ganham
R$ 100 e o dinheiro acaba."
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