São Paulo, quarta-feira, 28 de agosto de 2002

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ARTIGO

Alertas da natureza para Johannesburgo

JEFFREY SACHS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os poderes assombrosos da natureza têm se manifestado de modo assustador nos últimos tempos. Enquanto os líderes mundiais se reúnem em Johannesburgo para discutir as ameaças ao ambiente global, muitas partes do planeta sofrem sob o efeito de enchentes, secas, colheitas fracassadas, enormes incêndios florestais e até mesmo novas doenças.
A relação entre o homem e a natureza é um tema tão antigo quanto nossa espécie, mas essa relação está mudando de maneiras complexas. O resultado mais importante da cúpula de Johannesburgo deve ser o reconhecimento da necessidade de muito mais pesquisas científicas e muito mais cooperação global.
Enchentes e secas são flagelos que ocorrem desde a Antiguidade, mas a frequência, as dimensões e o impacto econômico desses desastres vêm aumentando nos últimos anos. Os pedidos de pagamento de seguros contra desastres naturais alcançaram níveis inusitados nos anos 1990, fato que leva a crer que os custos sociais dos distúrbios ambientais tenham subido.
Choques climáticos como o forte El Niño de 1997-98 exerceram papel importante nos distúrbios econômicos recentes. A Indonésia e o Equador, entre outros países, sofreram crises financeiras em 1997-98 que estavam ligadas, em parte, a crises agrícolas provocadas pelo El Niño severo.
Parte do efeito climático crescente se deve ao próprio peso do número de seres humanos. Em grande medida como resultado dos avanços tecnológicos dos últimos 200 anos, a população humana se multiplicou por sete desde 1800, passando de cerca de 900 milhões de pessoas naquele ano para mais de 6 bilhões hoje, obrigando a humanidade a viver concentrada em pontos vulneráveis espalhados pelo mundo.
Mais de 2 bilhões dos 6 bilhões de habitantes do planeta vivem numa distância de 100 km do mar e, portanto, são vulneráveis a tempestades oceânicas, enchentes e à elevação dos níveis do mar devido ao aquecimento global. Outras centenas de milhões vivem em habitats frágeis nas encostas íngremes de montanhas ou, então, em áreas semidesérticas, ou ainda em regiões alimentadas por chuvas, onde as colheitas fracassam com regularidade, toda vez que as chuvas deixam de chegar.
Além disso, os seres humanos modificam o ambiente em toda parte, com frequência de modos que deixam as sociedades mais vulneráveis. É especialmente o caso de países pobres. A densidade demográfica crescente na África rural, acompanhada pela intensificação da exploração agrícola, está provocando um empobrecimento maciço do solo. Quando há seca no sul da África, como aconteceu neste ano, dezenas de milhões de famílias camponesas lutam pela simples sobrevivência.
Como a pobreza africana contribuiu para a disseminação descontrolada da Aids, a combinação de choques climáticos com doenças epidêmicas é devastadora. Milhões de órfãos da Aids no sul da África vivem com avôs velhos ou fracos demais para obter ou produzir alimentos. Devido à chegada do El Niño, é provável que a seca continue até o próximo ano.
O mais notável nas mudanças ambientais é o fato de elas não se limitarem a ambientes locais. Pela primeira vez na história da humanidade, a sociedade humana está solapando o ambiente em escala global, por meio de mudanças climáticas, extinção de espécies e degradação dos ecossistemas.
O aquecimento global provocado pelo homem, causado principalmente pela queima de combustíveis fósseis em países ricos, pode muito bem contribuir para a frequência e a intensidade das principais secas, enchentes e tempestades tropicais. A frequência e a intensidade do ciclo do El Niño nos últimos 25 anos pode também ter sido consequência do aquecimento global. As fortes enchentes ocorridas na China nos últimos anos são em parte, ao que parece, resultado do derretimento excessivo da neve nas montanhas do planalto tibetano, após a elevação das temperaturas.
Esses riscos ambientais crescentes são complexos. Os efeitos de uma mudança ambiental podem ocorrer só depois de muitos anos e podem ser sentidos até do outro lado do mundo. Ou, então, os efeitos podem ser indiretos. Mudanças no uso da terra, por exemplo, podem ampliar a expansão de doenças contagiosas, na medida em que mudam a ocorrência de espécies ou a maneira como interagem animais e humanos.
Os políticos não são hábeis quando se trata de lidar com problemas dessa natureza, e é por isso que os riscos ambientais continuam a crescer sem mudanças adequadas na política pública. Quando ocorrem catástrofes (como as secas e as enchentes deste ano), os políticos não podem ser responsabilizados por erros cometidos ao longo de décadas.
A Rio +10 pode chamar a atenção do mundo a esses problemas prementes. Mesmo que ela produza poucos resultados específicos, poderá fazer diferença se três exigências forem feitas a seus participantes:
1. Devemos insistir em que os políticos do mundo reconheçam as evidências científicas avassaladoras que apontam para graves perigos ambientais que a humanidade já enfrenta.
2. Devemos pressionar esses líderes a investir mais verbas públicas em pesquisas ambientais básicas e no desenvolvimento de novas tecnologias para fazer frente aos riscos ambientais. Por exemplo, é crucial investir em pesquisas com sistemas de energia alternativa, que sejam capazes de limitar o aquecimento do planeta.
3. Por fim, devemos exigir que nossos líderes concordem com uma maior cooperação ambiental internacional, para evitar que as políticas míopes e negligentes adotadas num país ou noutro terminem por destruir o ecossistema global.


Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto da Terra, na Universidade Columbia (EUA)

Tradução de Clara Allain


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