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Ciência em Dia
Marina Silva e o desmatamento
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, se arrisca a
ter de cumprir uma obrigação amarga no começo de 2005:
anunciar ao país que o desmatamento na Amazônia atingiu novo
recorde sob sua gestão, no período
2003-2004. A expectativa no momento é de que a taxa iguale ou ultrapasse a anterior, de cerca de 23
mil km2. Se alcançar a casa dos 30
mil km2, como se comenta, será a
maior de todos os tempos.
Um dos primeiros a soar o alarme foi o jornalista Washington
Novaes, no dia 19, em sua coluna
no jornal "O Estado de S. Paulo".
Uma rápida consulta a pesquisadores e ambientalistas familiarizados com a Amazônia revela que é
geral a expectativa de uma cifra alta. Os 30 mil km2, que segundo o
Ministério do Meio Ambiente não
deverão ser alcançados, representariam uma área maior que o Estado de Alagoas e superariam o recorde de todos os tempos, 29 mil
km2 (1994-1995).
O campeão de desmatamento
deverá ser mais uma vez o Estado
do Mato Grosso, em que a pecuária -e indiretamente a soja-
torna a mata cada vez mais rala.
Há indicações de que superfícies
contínuas de até 1.000 km2 são dizimadas em questão de dias no Estado governado por Blairo Maggi,
o rei da soja.
O momento de explosão do desmatamento não poderia ser mais
desfavorável. Desfavorável para a
floresta, para o país e para Marina.
Para a mata, porque sinaliza que
a destruição galgou um novo patamar. Dificilmente vai retornar para algum valor abaixo dos 20 mil
km2, mais próximo da média de 17
mil km2 dos anos 1990. Se confirmados os 30 mil km2, em dois anos um
Rio Grande do Norte inteiro de floresta amazônica terá ido por terra.
Para o Brasil, porque a expectativa
cabulosa torna ainda mais frágil a posição do país na negociação internacional sobre mudança climática, na
véspera da décima Conferência das
Partes (COP-10), que começa dia 6 em
Buenos Aires. O Brasil terá de divulgar seu inventário de emissões de carbono na atmosfera, quando se tornará oficial o que todos já sabem: cerca
de 70% da contribuição nacional para
o efeito estufa vem da derrubada de
florestas, que nenhum benefício traz
para sua população.
Para a ministra, porque aumentará
sua fragilidade diante da opinião pública numa fase em que ela já é enorme dentro do governo. Eleita bode expiatório das dificuldades energéticas e
dos transgênicos, quando só pretende
fazer cumprir as leis, a inoperância do
sistema de combate ao desmatamento que vem montando a duras penas
lhe abrirá um flanco adicional. Não
vai ser fácil mostrar que não se trata
necessariamente de ineficiência de
seu ministério, mas de impotência
diante do arrastão exportador de carne e soja.
A mais forte sugestão de um número aterrador de desmatamento vem
da movimentação recente do governo
federal. Primeiro foi a criação de duas
reservas extrativistas no Pará -sempre uma boa notícia, não se pode negar. Agora, a convocação de ONGs
ambientais para uma reunião na Casa
Civil, nesta semana, para avaliar e
eventualmente corrigir os rumos do
combate ao desmatamento -o que já
está sendo entendido como preparação do terreno para o que vem por aí.
Coisa boa não deve ser.
cienciaemdia@uol.com.br
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