São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2004

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Ciência em Dia

Marina Silva e o desmatamento

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, se arrisca a ter de cumprir uma obrigação amarga no começo de 2005: anunciar ao país que o desmatamento na Amazônia atingiu novo recorde sob sua gestão, no período 2003-2004. A expectativa no momento é de que a taxa iguale ou ultrapasse a anterior, de cerca de 23 mil km2. Se alcançar a casa dos 30 mil km2, como se comenta, será a maior de todos os tempos.
Um dos primeiros a soar o alarme foi o jornalista Washington Novaes, no dia 19, em sua coluna no jornal "O Estado de S. Paulo". Uma rápida consulta a pesquisadores e ambientalistas familiarizados com a Amazônia revela que é geral a expectativa de uma cifra alta. Os 30 mil km2, que segundo o Ministério do Meio Ambiente não deverão ser alcançados, representariam uma área maior que o Estado de Alagoas e superariam o recorde de todos os tempos, 29 mil km2 (1994-1995).
O campeão de desmatamento deverá ser mais uma vez o Estado do Mato Grosso, em que a pecuária -e indiretamente a soja- torna a mata cada vez mais rala. Há indicações de que superfícies contínuas de até 1.000 km2 são dizimadas em questão de dias no Estado governado por Blairo Maggi, o rei da soja.
O momento de explosão do desmatamento não poderia ser mais desfavorável. Desfavorável para a floresta, para o país e para Marina.
Para a mata, porque sinaliza que a destruição galgou um novo patamar. Dificilmente vai retornar para algum valor abaixo dos 20 mil km2, mais próximo da média de 17 mil km2 dos anos 1990. Se confirmados os 30 mil km2, em dois anos um Rio Grande do Norte inteiro de floresta amazônica terá ido por terra.
Para o Brasil, porque a expectativa cabulosa torna ainda mais frágil a posição do país na negociação internacional sobre mudança climática, na véspera da décima Conferência das Partes (COP-10), que começa dia 6 em Buenos Aires. O Brasil terá de divulgar seu inventário de emissões de carbono na atmosfera, quando se tornará oficial o que todos já sabem: cerca de 70% da contribuição nacional para o efeito estufa vem da derrubada de florestas, que nenhum benefício traz para sua população.
Para a ministra, porque aumentará sua fragilidade diante da opinião pública numa fase em que ela já é enorme dentro do governo. Eleita bode expiatório das dificuldades energéticas e dos transgênicos, quando só pretende fazer cumprir as leis, a inoperância do sistema de combate ao desmatamento que vem montando a duras penas lhe abrirá um flanco adicional. Não vai ser fácil mostrar que não se trata necessariamente de ineficiência de seu ministério, mas de impotência diante do arrastão exportador de carne e soja.
A mais forte sugestão de um número aterrador de desmatamento vem da movimentação recente do governo federal. Primeiro foi a criação de duas reservas extrativistas no Pará -sempre uma boa notícia, não se pode negar. Agora, a convocação de ONGs ambientais para uma reunião na Casa Civil, nesta semana, para avaliar e eventualmente corrigir os rumos do combate ao desmatamento -o que já está sendo entendido como preparação do terreno para o que vem por aí.
Coisa boa não deve ser.

cienciaemdia@uol.com.br


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