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São Paulo, sábado, 29 de março de 2003

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BIOLOGIA

Fechadura química responsável pela sensação de cheiro ajuda a guiar o nado de célula masculina na fecundação

Espermatozóide "fareja" óvulo, diz estudo

Divulgação Marc Spehr/Science
Espermatozóides usam jatos de cálcio (verde) para propulsão


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São milhões de competidores tentando cruzar a membrana de chegada e penetrar no óvulo, e o segredo dos espermatozóides que chegam lá pode ser, quase literalmente, um nariz de vantagem, segundo cientistas alemães. Eles descobriram que espermatozóides podem farejar o óvulo.
O faro molecular dessas pequenas células masculinas parece ser tão apurado que elas se mostraram capazes de mudar a direção e a velocidade de seu nado quando expostas a determinadas fragrâncias. Tudo graças à presença de fechaduras químicas conhecidas como receptores olfativos (ORs) parecidas com as que recebem a sensação de cheiro no nariz humano verdadeiro.
Com o achado, uma dúvida fundamental sobre a fecundação nos mamíferos (o que os espermatozóides usam, além da sorte, para alcançar o óvulo) fica bem mais próxima de ser respondida. O estudo publicado na última edição da revista americana "Science" (www.sciencemag.org) abre caminho para novas formas de impedir que eles cheguem lá, para quem ainda não está interessado em ser pai ou mãe.
Embora a presença dos ORs em testículos e espermatozóides humanos já fosse conhecida há um bom tempo, ninguém ainda havia sido capaz de explicar o que esses receptores faziam lá. Coube a Marc Spehr e seus colegas da Universidade do Ruhr em Bochum, Alemanha, o desafio de explicar esse paradoxo. Afinal, células sexuais não têm narizes de verdade e muito menos cérebros para interpretar o que os ORs captam.
"Fomos os primeiros a descrever o funcionamento dos receptores alguns anos atrás e ficamos interessados no possível papel desses ORs nos espermatozóides", contou Spehr, 29, à Folha.
Para o trabalho agora publicado, os pesquisadores escolheram um receptor chamado hOR17-4, cuja presença tinha acabado de ser demonstrada nos espermatozóides. Eles copiaram o gene com a sequência de DNA que especifica a estrutura da molécula do receptor e o inseriram em células cultivadas em laboratório.
O próximo passo foi inundar as células geneticamente modificadas com moléculas sintéticas de nomes estranhos, como "burgeonal" e "lilial", usadas pela indústria cosmética para criar perfumes. "Eles imitam odores florais, como o do lírio", conta Spehr.
A equipe tinha acertado na mosca: a presença das moléculas florais induziu o surgimento de canais na membrana das células, usados por átomos de cálcio com carga elétrica positiva. Não por coincidência, é essa a resposta que acontece nos neurônios (células nervosas) do nariz que têm receptores como o hOR17-4.
Canais parecidos, que expulsam o cálcio através da membrana, servem como motor do nado dos espermatozóides, propelindo o longo flagelo (cauda) típico desses atletas celulares.
Ao expor os espermatozóides às moléculas florais, o resultado foi ainda mais impressionante. Não só a resposta (formação de canais de cálcio) era cem vezes maior, mas o burgeonal, por exemplo, parecia induzir o nado das células e torná-lo mais rápido.
"É como se os espermatozóides fossem neurônios individuais do nariz, só que eles não transmitem o sinal produzidos pelos seus ORs para outros neurônios", escreveu o biólogo reprodutivo Donner Babcock, 61, da Universidade de Washington em Seattle, que comentou o estudo na "Science".
Embora os resultados sejam encorajadores, Spehr diz que ainda há muito a ser feito. "É muito provável que vários outros ORs influenciem os espermatozóides, além do hOR17-4", afirma.
Outra dúvida é saber de onde vem o aroma que atrai os corredores. "Como a interação do espermatozóide com os órgãos reprodutivos é complexa, devemos manter nossa mente aberta sobre isso", diz Babcock. Ele especula, porém, que o mecanismo possa ajudar tanto no direcionamento dos espermatozóides na fertilização in vitro quanto para impedir a fecundação. (REINALDO JOSÉ LOPES)


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