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"Passamos do ponto" no clima, diz King
Cientista-chefe do Reino Unido afirma que aquecimento acelerou tanto que Convenção do Clima e Kyoto não servem mais
Físico que aconselhou Tony
Blair a eleger efeito estufa
como prioridade de governo
diz que país pobre precisa de
meta de redução de carbono
Rodrigo Paiva/Folha Imagem
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O cientista-chefe do Reino Unido, o sul-africano David King |
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
O Protocolo de Kyoto não
serve mais. Se a humanidade
quiser lidar com o maior problema já enfrentado pela civilização, o da mudança climática,
soluções mais radicais precisam ser tomadas. E isso inclui
metas de redução de emissões
de gases de efeito estufa até para países pobres, como o Brasil.
Quem dá a mensagem é o físico britânico (nascido na África
do Sul) David King, 67. Conselheiro científico do premiê
Tony Blair, Sir David foi o mentor das decisões britânicas de
cortar 60% das suas emissões
até 2050 e de fazer do clima
uma prioridade de governo.
Ele veio ao Brasil para lançar
hoje em Brasília o Ano Brasileiro-Britânico de Ciência e Inovação, no qual será discutida a
cooperação para a produção de
fármacos a partir da biodiversidade, entre outros assuntos.
Mas o cavaleiro de Sua Majestade tem uma outra agenda:
preparar o Brasil para a reunião
do G8 em junho, na Alemanha,
na qual a União Européia pressionará os renitentes Brasil,
África do Sul, China, Índia, México e EUA a seguir sua liderança no combate ao aquecimento.
"A Convenção do Clima da
ONU foi montada sobre a idéia
de que precisávamos evitar a
mudança climática perigosa.
Nós passamos do ponto de poder evitá-la. O que falamos agora é de evitar a mudança climática catastrófica", diz, com autoridade moral de um país que
reduziu suas emissões em 14%
em relação a 1990 e cresceu
40% nesse mesmo período.
Ontem, dentro de um carro,
num engarrafamento em São
Paulo, King deu a seguinte entrevista à Folha:
FOLHA - A última vez que o sr. veio
ao Brasil o sr. trouxe uma mensagem de que os gigantes do Terceiro
Mundo deveriam se comprometer a
metas num regime pós-Kyoto. Como o sr. espera fazer esses países
aceitarem essas metas?
DAVID KING - "Fazê-los" não é a
frase que eu usaria. O que estamos fazendo no Reino Unido é
tentar desfazer o nó. Estamos
fazendo o G8+5 na Alemanha
em junho. No Reino Unido e na
UE, estamos nos comprometendo unilateralmente a reduzir emissões em 60% até 2050
no Reino Unido e em 20% até
2020 na UE. Temos um esquema de comércio de emissões
funcionando desde 2005. É claro que gostaríamos de ver o comércio de emissões globalizado, mas entendemos os problemas em torno disso. Não estamos apenas dizendo que este é
o único jeito de fazer. Estamos
dizendo: "Isso é o que nós estamos fazendo, mas o que vocês
estão fazendo"?
FOLHA - Se você falar de metas
com o governo brasileiro, eles vão
dizer que já estão dando uma enorme contribuição ao reduzir o desmatamento na Amazônia, portanto
medidas voluntárias bastariam.
KING - E o que nós diríamos é: a
sua análise no Brasil do efeito
do desmatamento é uma contribuição a emissões que são de
cerca de 15% do total global. Há
ainda muita contribuição ao nível global do CO2 na atmosfera.
Nós reconhecemos que nossas
emissões históricas e nossa
economia são diferentes das do
Brasil, mas algum tipo de meta
precisa ser estabelecido. Estamos defendendo que a meta
global seja entre 450 e 550 partes por milhão de CO2 na atmosfera [hoje estamos em
385]. Se pudermos obter acordo internacional para manter o
nível global nessa faixa, poderemos aceitar um processo no
qual o Brasil ofereça algo diferente dos EUA, por exemplo.
FOLHA - O Brasil tem sido criticado
por se manter pouco pró-ativo e
apegado aos princípios da Eco-92,
segundo os quais as nações ricas
têm mais responsabilidade de agir
que as nações pobres. O sr. acha que
esses princípios envelheceram?
KING - Sim. E, a propósito, os
princípios de Kyoto talvez não
sejam mais apropriados. Precisamos de uma discussão aberta
na qual reconheçamos que o
tempo passou e que nossa compreensão do problema avançou. A Convenção do Clima da
ONU foi montada sobre a idéia
de que precisávamos evitar a
mudança climática perigosa.
Nós passamos o ponto de poder
evitar a mudança climática perigosa. O que falamos agora é de
evitar a mudança climática catastrófica. Estamos numa situação totalmente diferente. A
urgência e a magnitude do problema são muito maiores. Precisamos abandonar nossas velhas posições e discutir o maior
problema -eu não estou exagerando- que nossa civilização
jamais precisou enfrentar.
FOLHA - Por que o sr. acha que a
mudança climática de repente ganhou tanta publicidade?
KING - A evidência científica
tem se acumulado semanalmente. Se você olhar para o verão de 2003 na Europa Central,
a análise mostrou que, se a curva de temperatura fosse uma linha reta, aquilo já seria um
evento que só ocorre a cada mil
anos. Mas a linha não é reta, ela
é ascendente. O verão médio
hoje na Europa é tão quente
quanto o mais quente do século
20, o de 1947. A outra questão é
que o governo britânico, ao
propor em 2003 uma meta de
60% de redução de emissões
em 2050, levantou muita curiosidade. Nós levantamos o perfil
da questão. Espero que não seja
só um modismo.
FOLHA - Mas houve uma "bolha"
dessas em 1992.
KING - Mas há uma diferença
importante agora: o setor privado está se preocupando com
isso. E, quando eles resolvem
investir dinheiro, é porque o assunto é sério.
FOLHA - O Reino Unido conseguirá
reduzir suas emissões em 60% sem
o uso maciço de energia nuclear?
KING - Não. Precisaremos de
mais uma geração de novas usinas nucleares para chegar lá.
FOLHA - O sr. é a favor?
KING - Eu estou aconselhando
o governo de que nós precisamos dela. Temos problemas
que todos entendemos: o urânio vai ficar escasso, temos a
proliferação nuclear, o lixo nuclear, mas dados todos esses
problemas e a magnitude do
problema maior da mudança
climática, nós precisamos disso. É por isso que eu falo de
mais uma geração, porque precisamos de tempo antes que
novas tecnologias, como a fusão nuclear, possam chegar ao
mercado. Precisaremos substituir todos os nosso reatores até
2030. E, mesmo até 2020, precisaremos trocar 80% dos nosso reatores. Se o Parlamento
aprovar, será um programa
grande.
NA INTERNET - Leia a íntegra da entrevista
www.folha.com.br/070871
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