São Paulo, sexta-feira, 29 de abril de 2011

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Proteína do cérebro atrapalha químio

Molécula que favorece ligações entre neurônios protege câncer contra quimioterapia, afirma estudo feito no RS

Descoberta dá pistas sobre nova estratégia para enfrentar tumor do intestino grosso; dados são preliminares

REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE CIÊNCIA

É um caso clássico de dupla personalidade molecular que começa a ser revelado: a proteína que, no cérebro, favorece a formação de memórias, enquanto parece proteger tumores do intestino.
Trata-se da BDNF, cuja ação pode trazer pistas para novas formas de atacar o câncer. Estudando células tumorais em laboratório, pesquisadores da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) demonstraram que a proteína neutraliza os efeitos de uma droga anticâncer.
Se a descoberta se confirmar, é possível que o tratamento adequado contra a doença exija tanto um ataque convencional ao tumor quanto um bloqueio desse mecanismo de compensação.

CARICATURA
Segundo Rafael Roesler, um dos autores do estudo, a BDNF não é exatamente uma exceção. Há diversos indícios de que há semelhanças entre certos processos do sistema nervoso e o que acontece no interior dos tumores.
"Existem vários paralelos entre a plasticidade sináptica [a maleabilidade das ligações entre neurônios], a formação de memórias e a proliferação de células tumorais", diz ele. É possível que o câncer "sequestre e reproduza, de forma caricata, o que ocorre nos neurônios".
Tanto é assim que o gene do receptor (a "fechadura química") ao qual a BDNF se conecta foi estudado primeiro como gene associado ao câncer, e só mais tarde teve sua função nos neurônios elucidada, conta Roesler.

NO HOSPITAL
No estudo, Roesler e seus colegas Caroline Brunetto de Farias (cujo doutorado versa sobre o tema) e Gilberto Schwartsmann avaliaram a atividade da proteína em tumores do intestino grosso de 30 pacientes de Porto Alegre, homens e mulheres com idade média acima dos 60 anos.
O crucial aqui é que, junto com o tecido canceroso, eles obtiveram também tecido saudável dessas pessoas, o que permitia comparar as diferenças moleculares entre as duas condições.
Em quase todas as amostras de câncer, o gene responsável pela produção da BDNF estava ativado, e de forma bem mais acentuada do que nos tecido normais. Veio então a aplicação de um quimioterápico experimental contra as células tumorais.
Essa substância é capaz de diminuir a proliferação das células de câncer. Mas, quando era aplicada, a produção de BDNF crescia, aparentemente para proteger as células tumorais atacadas. E uma dose extra da proteína acabava com o efeito da droga.
O próximo passo dos pesquisadores é verificar se o processo se repete, por exemplo, em animais de laboratório com câncer. Também seria preciso ver se há formas de bloquear a ação da BDNF sem afetar os neurônios, talvez com substâncias que façam esse serviço sem passar do sangue para o cérebro.
A pesquisa está na revista científica "Oncology". A equipe integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Translacional em Medicina, cujo objetivo é transformar conhecimento científico em novas opções para o tratamento de pacientes.


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