São Paulo, sábado, 29 de junho de 2002

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BIOTECNOLOGIA

Bactéria usada para fazer iogurte é alterada geneticamente e ataca microrganismo que estraga os dentes

Europeus inventam micróbio anticáries

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Bactérias do mesmo gênero utilizado para fabricar queijo, leite fermentado ou iogurte foram empregadas com sucesso por um grupo de cientistas europeus para prevenir a cárie dentária.
Os chamados lactobacilos foram modificados geneticamente para produzir um anticorpo capaz de neutralizar a principal bactéria causadora das cáries, a espécie Streptococcus mutans.
Os experimentos com a bactéria benéfica Lactobacillus zeae foram feitos em ratos, mas ela é considerada segura para uso em seres humanos. Com isso se abre a possibilidade de, no futuro próximo, ser desenvolvido um novo tratamento preventivo de cáries.
O estudo foi feito por uma equipe de treze pesquisadores de instituições da Suécia, Holanda e Reino Unido, coordenados pelo sueco Lennart Hammarström, do Instituto Karolinska. O artigo descrevendo o processo de obtenção da superbactéria e o seu uso está sendo publicado na edição de julho da revista científica americana "Nature Biotechnology" (biotech.nature.com).
Os lactobacilos constituem um dos gêneros de bactérias utilizados industrialmente para obter a fermentação láctica, processo necessário para a produção de laticínios como queijo e iogurte. As bactérias agem convertendo açúcares em ácido láctico.
Além disso, as bactérias lácticas fazem parte da própria flora microbiana do organismo humano. No intestino, essa flora ajuda na defesa contra contaminações por bactérias causadoras de doenças.
Esse papel na defesa imunológica fez com que pesquisadores tenham começado a investigar a possibilidade de usar bactérias lácticas como "vacinas vivas", capazes de produzir proteínas com a habilidade de despertar uma resposta do organismo, ou então agir diretamente contra os micróbios invasores.

Ligado no inimigo
A equipe de Hammarström modificou a Lactobacillus zeae para que a bactéria passasse a produzir uma proteína e também mantê-la na sua superfície. Essa proteína é capaz de agir como um anticorpo, ou seja, ela reconhece uma outra proteína na superfície da bactéria da cárie e gruda nela, destruindo o micróbio invasor.
A capacidade do lactobacilo modificado de se ligar ao inimigo foi testada por meio de microbolinhas de plástico que continham na superfície amostras da proteína-alvo. Imagens em microscópio mostraram essa ligação.
O passo seguinte foi testar o efeito em um ser vivo, pois, como afirmaram os autores do estudo, "para serem terapeuticamente eficientes, lactobacilos produtores de anticorpos devem persistir na cavidade bucal por um período de tempo prolongado".
A bactéria geneticamente "engenheirada" passou também nesse teste, que envolveu 19 ratos.
Três grupos de ratos de 21 dias de idade foram testados. Com o emprego de cotonetes, um grupo recebeu apenas água estéril na boca. Outro recebeu o lactobacilo normal e um terceiro foi tratado com o microrganismo modificado pelos cientistas.
Depois de alguns dias, todos os grupos foram infectados com a bactéria da cárie. Os que tinham recebido lactobacilos passaram a recebê-los também na água.
A cada três dias, a presença na boca das duas bactérias - Lactobacillus zeae e Streptococcus mutans - era verificada. Aos 42 dias de idade, os ratos foram mortos e seus dentes examinados em busca de cáries.
Os ratos que receberam as superbactérias tinham um número muito menor de bactérias da cárie, além de terem tido bem menos lesões nos dentes.
Por exemplo, ratos que não receberam nenhum lactobacilo tinham, na semana final do experimento, em média, 2.900 colônias de Streptococcus mutans, enquanto os animais tratados tiveram apenas 75 colônias.

Terapia
No final do experimento, dos seis ratos sem lactobacilos, quatro tiveram cáries (67%). O mesmo índice foi notado nos seis ratos que receberam os lactobacilos comuns. Já entre os sete ratos tratados com as superbactérias, apenas um teve cáries.
"A longa persistência dos lactobacilos transformados na cavidade oral e sua eficácia terapêutica sugerem que esse pode ser um método viável para terapia futura, seja profilaticamente ou terapeuticamente", dizem os cientistas.



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