São Paulo, segunda-feira, 29 de julho de 2002

Próximo Texto | Índice

NEUROLOGIA

Pequenos terminais de nervos na epiderme com pêlos enviam impulso a área do cérebro que processa emoções

Humano tem sensor que detecta carícias

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um estudo publicado hoje ajuda a explicar por que os seres humanos, assim como diversos mamíferos, adoram um cafuné. É que a pele humana tem pequenos sensores especializados no recebimento de carinho, que remetem a sensação prazerosa diretamente às regiões do cérebro que processam as emoções.
A pesquisa, que sai na revista científica "Nature Neuroscience" (www.nature.com/neurosci), também desfaz um mistério anatômico: ninguém ainda tinha conseguido explicar a função de um grupo de minúsculos terminais nervosos que aparecem na pele toda, exceto na palma das mãos e na planta dos pés.
De acordo com o pesquisador sueco Hakan Olausson, da Universidade de Gotemburgo, até a década passada acreditava-se que o homem não tivesse esses terminais, chamados de aferentes de condutos tácteis: "Eles foram descobertos em gatos e depois em outras espécies com pêlo, mas pareciam raros em macacos e não eram achados em humanos".
O problema é que os pesquisadores estavam procurando no lugar errado: a palma da mão, que não tem pêlos, aos quais os sensores de carinho estão sempre associados. Olausson e outros pesquisadores mostraram que a espécie humana tinha, sim, os tais aferentes, mas ainda não haviam descoberto o que eles faziam.
Uma coisa, no entanto, era certa: esses terminais eram bem diferentes dos outros sensores de tato. Para começar, eles não têm a chamada bainha de mielina -um grupo de células ricas em gordura que envolve grande parte dos nervos e funciona mais ou menos como o plástico em volta de um fio de cobre, isolando o impulso nervoso e tornando-o mais eficiente.
Como a bainha aumenta o tamanho dos nervos, os aferentes de condutos tácteis são também bem menores que os outros sensores de tato.

Função isolada
"O que atrapalhava os pesquisadores é que esses terminais eram estimulados junto com os outros na pele, de forma que não era possível saber qual deles estava gerando o impulso", explica Ivan Izquierdo, especialista em neurologia do Departamento de Bioquímica da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
A oportunidade de estudar os misteriosos nervos isoladamente apareceu graças a uma paciente de 54 anos com um problema raro: ela perdeu todos os nervos com mielina no corpo graças a uma reação auto-imune.
A princípio, ela parecia incapaz de tato "verdadeiro" (não sentia cutucões ou coceira), embora detectasse calor, frio ou dor. Contudo, se um pincel macio era passado de leve em seu braço, a paciente sentia uma espécie de pressão tênue e agradável.
A idéia, então, foi verificar como essa sensação se refletia no cérebro da paciente, comparando-o com o que acontecia no cérebro de 24 pessoas sem o mesmo problema. Enquanto toda essa gente era submetida ao "teste do pincel", Olausson e seus colegas espionavam o que acontecia usando ressonância magnética funcional - um tipo de exame que mostra quais áreas do cérebro têm maior fluxo de sangue e, portanto, estão funcionando mais.

Tato emocional
O resultado mostrou que o cérebro da paciente tinha ativação no córtex insular, uma área interna do sistema nervoso cuja principal função é o processamento de emoções e da excitação sexual. As áreas do córtex ligadas ao sentido de tato propriamente dito ficaram quietinhas na mulher, ao contrário das demais pessoas, que tiveram ambos os lugares ativados.
Para Olausson, isso mostra que esses nervos são fundamentais para a sociabilidade e para a reprodução entre os mamíferos, inclusive na espécie humana.
"Além disso, há a possibilidade de que eles tenham um papel na redução das sensações de dor e na liberação de certos hormônios que são ativados pelo toque na pele", especula o sueco, que teve a colaboração de colegas no Canadá para desvendar o funcionamento dos sensores de carinho.


Próximo Texto: Panorâmica: Homens correm maior risco de morrer em qualquer faixa etária, aponta estudo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.